sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aquela jovem alma de esperanças mortas, de sonhos destruídos e coração torcido, hoje já não chora mais, não mesmo. Uma pena ter se acostumado a andar de cabeça baixa, os ombros caídos e olhos assustados, vivendo com medo de ir até a esquina. Sentava e escrevia versos tristes, às vezes passava a tarde inteira descrevendo o que sentia, penso que gostava de chorar, sempre que a via estava com os olhos vermelhos e de rosto corado, quase que eu chorava ao lado dela. Menina boba, por que não me deixa te ajudar? Não podia nem mesmo chegar perto de ti, que já fechava a cara e dizia estar bem, saindo apressada, fugindo de tudo, sempre. Hoje, quando te vi na cafeteria, rindo e brincando, custei em acreditar que era tu mesmo que via, sorri junto com você, à distância, mas eu ri. Senti um pouco de inveja daqueles que te fizeram sorrir, juro que senti. Queria tanto ser teu riso, estar perto de você como sempre desejei estar antes, mas tu nunca me quiseste por perto. Talvez seja porque eu é que te fiz chorar, fui a tua primeira mágoa.

Letícia Durães

Às vezes me pego perdida em pensamentos, nas áreas mais profundas do meu subconsciente, tirando lá do fundo, lá no passado, coisas tão ruis que quase morro, fico caída no chão, olhando para o lado de fora da janela, imaginando uma nova chance ou um recomeço, um lugar onde eu sinta que seja seguro, com pessoas diferentes, que não saibam do que já me aconteceu. Não sou nenhuma coitada, não quero pena de ninguém. Eu sei o que eu fiz, eu assumo, eu reconheço, fiz por onde. Agora só me resta sair debaixo desses escombros de sentimentos, todos os amontoados de sentimentos me massacrando, me maltratando. Acabei de limpar as lágrimas que meus olhos derramaram, sorri de tão triste, um gosto amargo ficou na boca, um soluço interrompe o pulso descompassado do coração.
— Letícia Durães
Naquela manhã neblinosa, quando acordei pela manhã notei, pela primeira vez, que minha cama havia diminuído e minhas vontades também. Sim, estava sentada sozinha numa cama de solteiro, com vontade do dormir o dia inteiro, não queria comer nem mesmo viver. Não chorei, fechei os olhos e orei, vieram pensamentos obscuros, uma solidão que me sufocou, como se um trem tivesse me pegado em cheio o coração, não sabia o porquê dessa sensação, só tinha uma certeza: machucava como nunca antes. Eu queria me esconder entre o colchão e as cobertas, nunca mais ver nem ouvir ninguém, só queria ter a mim. Eu poderia estar segura assim? Não, eu não saberia, não teria como evitar as durezas da vida, se fosse de solidão que eu precisava, era solidão que eu teria que suportar, conviver. Pena que eu não sabia disso, uma pena mesmo. Talvez eu não tivesse feito o que fiz, talvez eu não tivesse amarrado meu instinto de sobrevivência em casa e pulado no lago, talvez eu tivesse aprendido o que é vida.

Letícia Durães
Agora chove, lá fora só posso ouvir o assovio do vento frio que entra pela janela do meu quarto, os pingos da chuva batem na janela, quase posso ouvir a música se formando. Eu só queria que você estivesse aqui, junto a mim. Os ponteiros do relógio, acho que estão congelados, o tempo teima em passar, espero um outro dia chegar, um outro dia com você.
As pequenas notas que a chuva forma junto à minha janela estão me parecendo tão melancólicas, pesadas aos meus ouvidos. Puxo meu cobertor mas, não consigo dormir. Seria tão mais fácil se você estivesse aqui agora, mas você partiu sem deixar rastros, um bilhete de adeus ou… ou uma peça de roupa. Uma peça de roupa? Sim, um pedacinho de você, um cheiro. Agora eu tenho medo. Medo de não querer mais viver, não quis te tornar em minha vida ou minha razão.
— Letícia Durães

Um belo jardim...

Parei de frente ao portão. Suspirei lentamente. Tive medo de entrar, medo do que iria encontrar. Imagens loucas me vieram à mente, a ilusão estava me torturando impiedosamente, mais do que o habitual. Senti de súbito um pavor que me fez estremecer o corpo inteiro, uma sensação de perda, eu “cai na real”, já não conseguia (ou não podia) negar a realidade. O tempo passa, a vida corre e ninguém pode fugir, ninguém pode negar.

Enchi-me de coragem e empurrei o portão de madeira pintada de branca, estava aberto. Deixei meio entre aberto e espiei pela fresta, havia algumas roupas úmidas no varal, a varanda estava molhada, parecia ter alguém na cozinha – o vento trazia de lá um cheirinho gostoso de bolo de fubá. Bolo de fubá. Abri o portão de vez, entrei e fiquei tão contente. Na lateral esquerda do mura o canteiro do jardim permanecia em perfeito estado, as rosas vermelhas entravam em contraste com os lírios brancos, e as cores pareciam estar em harmonia com o ambiente.

Chamei com meia esperança mantendo a voz: “Mamãe? Está ai?” Esperei cerca de um minuto. Nada. Repeti, dessa vez gritei. Ouvi a porta da cozinha se abrir, um sorriso se fez em meu rosto, ela está aqui, foi só um longo pesadelo, um longo pesadelo. Por detrás da casa surgiu a figura de uma mulher negra sorridente, ela vinha em minha direção com os braços abertos, dizia que sentia a minha falta e que eu estava crescida. Era minha Mariana, trabalhava para mamãe há muitos anos. Olhei para ela meio confusa, perguntei: “Onde está mamãe? Quero vê-la. Tive um pesadelo (eu acho) e quero muito vê-la”. Mariana me olhou meio desconfiada, pôs a mão no meu ombro e disse: “Querida, Roxi, não foi um pesadelo. Sei que é difícil, mas você tem que aceitar, é melhor para você.”

Diante daquelas palavras senti minhas pernas bambearem e minha vista embaçada, senti meu corpo cair ao chão, minha voz não saia e, por mais sem noção que estava, eu chorei com soluços cortando a respiração. Não foi um pesadelo. A vida a tirou de mim. Estava desprotegida. Mamãe se fora. Estava morta. Mariana me pegou pelo braço e me levou para o banco debaixo do pé de amora, me trouxe um copo de água. Ela me olhava com um ar de preocupada e até mencionou em me levar ao médico, mas ela percebeu, graças a Deus, que seria até pior. Eu tinha acabado de saber que minha mãe tinha morrido, a ficha demorara cair, foi como se a notícia fora me contada agora.

Mariana, minha querida Mariana, me abraçou, esperou meus sentidos voltarem ao lugar. Olhou no fundo meus olhos e disse, com uma veemência que me prenderam a atenção: “Sabe, a vida não tem fim. Está sempre renascendo e aprendendo. Sua mãe tem o espírito vivo, ela ama você e está sempre cuidando, orando. Não chore mais, menina, viva por ela.” As palavras simples dela soaram feito canto em meus ouvidos, me fez sentir leve, parei de chorar e limpei o rosto, abracei Mariana e sorri. Ela me chamou para entrar e me deu um pedaço do bolo, disse que era para comer, que eu precisaria de forças para cuidar do jardim de mamãe.

Letícia Durães
Peguei minha caneca de chá, me sentei na poltrona do quarto que fica virada para a janela. Lá fora há poucos carros passando pela rua quase deserta, a chuva parece cessar agora. Olho para a minha cama, está vazia, vazia assim como eu. Uma lágrima involuntária escapa de meus olhos. Deus! Daria tudo para poder dormir, por um minuto que seja, queria poder sonhar com você, poder sentir teu toque, teu cheiro. Te sentir novamente… como te sentia quando em vida. Chorei, por noites e noites, morri com você, tudo se tornou preto e branco – triste porque adorávamos o preto e branco e hoje isso me castiga. Queria ao menos uns minutos de paz, fechar os olhos e dormir já não contam, eu me lembro de coisas que não deveria nem saber. Eu tentei, tenha certeza, continuar e sobreviver, mas sinto que algo me puxa para a escuridão, algo que quer sugar o meu eu. Que farei? Até agora fracassei.

— Letícia Durães
Saí do meu quarto na ponta dos pés, fui andando quietinha em direção a cozinha. O relógio da sala fazia TIC TAC. Abria a geladeira e peguei um pote de sorvete de pistache, fui para a sala e abri um livro que estava em cima da mesa, A Letra Escarlate, se me recordo bem, tinha uma boa história, mas eu queria ação. Fechei o livro e liguei a televisão, é claro que não tinha nada de interessante, já passava das 2 horas da manhã e meu sorvete estava quase ao fim. Bom, pelo menos agora minhas pálpebras estavam pesadas e minha cabeça pendia para trás, dormi ali mesmo no sofá.

Acordei parece que 20 minutos depois, meu corpo todo doía, estava zonza, meio aturdida. A casa estava tão escura, silenciosa, nem o relógio com seu TIC TAC pude ouvir, de repente começou a cair pedras no telhado. Não, não eram pedras, chovia granizo e ventava forte, acho que ouvi gritos lá fora, fui abrir a porta, meio indecisa ou era medo do que ia acabar vendo lá fora. Destranquei a porta e abri. Fiquei meio estarrecida, sem saber se voltava para dentro ou corria para fora. Achei estar delirando, pois não havia chuva, nem terra molhada ou vento, mas sim um sol que ofuscou meus olhos, o céu estava tão azul – uma azul que nunca vira antes – cores e pessoas estranhas de rostos sorridentes, cantantes. Que houve? Festa?

Eu podia sentir a vibração deles, estavam felizes, de verdade, me pegaram pelo pulso e me levaram para o meio do jardim, todos me olhavam ansiosos, esperavam por algo. Mas o que? Não fazia idéia nem se aquilo era em minha casa mesmo, um medo súbito veio crescendo dentro de mim, me apavorei, arregalei os olhos e tentei fugir, não importava para onde, mas eu tentava me esconder. Senti alguém tocar meu braço e me chamar, não distingui pela voz, mas foi como se eu pudesse confiar naquela pessoa, eu tinha que sair dali. Segui a pessoa – na verdade, era um homem, cabelos castanhos e pareceu ser seguro do que fazia – íamos nos esquivando das pessoas e corremos pela rua, o sol já tinha ido embora, agora só restavam alguns raios de luz e a iluminação fraca dos postes. Nos escondemos atrás de um muro, na quarta quadra que corremos, estava tudo em silêncio. Ele parou de vigiar a rua e olhou para mim, nos meus olhos e descendo para os lábios, estava sério. Disse n’um sussurro: “Não deveria estar aqui. Venha, vou te levar para casa.” Admito que fiquei pensativa quanto ir para casa, apesar do susto eu queria ficar por lá, com aquele rapaz.
- Mas se eu for, nos veremos de novo? - perguntei
- Um dia a gente se encontra, nem precisa me procurar, a gente se acha – ele disse se afastando, seus dedos se desenrolando dos meus.
As luzes se apagaram e cai sem forças no chão, tentei gritar, mas não tinha voz. Apaguei. “Acorde, menina, acorde!” escutei a voz de minha irmã. “Estamos atrasadas”. Estava deitada no sofá, então eu levantei, eram 06h35min da manhã. Eu tinha dormido, tinha sonhado. Apenas eu sonho.

Me arrumei como todos os dias e fui para minha aula de literatura, onde passei a manhã. Quando saí tive vontade de andar um pouco antes de voltar para casa, fiquei parada na banca de jornal enquanto esperava o ônibus chegar, estava cantarolando a canção que ouvi no sonho. O rapaz da banca parou o que fazia e olhava para mim com surpresa.
- Desculpe, eu te conheço, moça? – perguntou
Eu levantei o olhar e sorri feliz ao reconhecer aquelas feições, e respondi: - Só se for no mundo dos sonhos.
Caímos na gargalhada e ele veio ao meu encontro, pegou minhas mãos e perguntou:
- Quer fugir daqui?

Letícia Durães
Acordar de manhã e martelar a cabeça com pensamentos sobre o amanhã, sobre o que dizer quando o vizinho me cumprimentar ou qual roupa devo vestir para ir a padaria. Esconder as marcas de uma noite mal dormida com quilos de maquiagem no rosto e um sorriso fingido no canto da boca, a cabeça batendo mais forte a cada TUM TUM pesado das batidas do coração. Tudo planejado, tudo em seu lugar perfeitamente posicionado, nada podia sair de ordem. Fantasiava minha vida inteirinha, do amanhecer até o enoitecer, me prendendo ao conformismo, me limitando a uma bolha de plástico transparente que me permitia ver a vida passar aos meus olhos e perder o sentido.
Noite e dia não fazia mais diferença nenhuma para mim, nem se chovia e fazia frio, calor e flores se abrindo, apenas um borrão sem importância alguma. Também não ligava para refeições ou folgas do trabalho – isso funcionava como uma fuga. Dormia tarde e acordava cedo.
Sabe-se lá o porquê, decidi sair para espairecer um pouco, tinha muitos papéis a serem organizados, minha cabeça já não distinguia letra de número. Já estava tarde, ventava frio e serenava, estava com fome e parei em uma banca de doces, fiquei examinando de fora da vitrine, pensando em quantas calorias iria consumir – enfim uma preocupação comigo mesma!
- Você está comendo com os olhos mesmo? – escutei uma voz vinda da minha esquerda.
- Não… E-eu só… Ah! E se eu estivesse? – disse virando para a pessoa, meio estupefata.
- Calma moça! –ele disse levantando as mãos como que se rendesse – Eu só estava tentando te chamar de volta a realidade. Veja, está quase fechando, é melhor se apressar.
Entrei na loja e fiz meu pedido, o meu e mais um. Sai da loja e voltei com dois cafés e os quitutes nas mãos, sorri e ofereci para ele, que estava parado perto dos bancos da praça e olhando para o céu.
- Olhe – ele disse pegando os cafés e pondo em cima de um banco – Está vendo essas estrelas? Fora elas há milhares de outras, escondidas, talvez estejam com medo de serem descobertas.
- Ahn… Tome seu café, vai esfriar – falei meio encabulada.
- Foi assim com você? Estava escondida? Com medo de ser notada pelas esquinas? E, assim como as estrelas, cansou da surdina e resolver dar o ar das graças?
-Como? – arregalei os olhos com a surpresa.
- Sim? Eu sempre venho aqui, mas nunca te vi. Estava ali na livraria quando vi você parada em frente aos doces, como se nunca tivesse visto algo parecido antes. Tão diferente, nova dentre tantas pessoas iguais.
- Ah.. eu, eu, você…
- Tome seu café, querida. Vai esfriar. – ele disse baixinho me puxando pela cintura e sorrindo.

Letícia Ribeiro
Se ao menos eu pudesse correr para tua casa e me perder em teus braços… Ah! Quanta bobagem pensar que poderia recuperar o tempo perdido, quem dera sentir tanta alegria. Estive tão triste e ressentida nesses últimos meses, queria poder não mais chorar, sinto tanta falta de ser a menininha do meu bem, não ser como uma boneca de porcelana, isso não, mas ser protegida e ter os sentimentos guardados num coração alheio, onde eu possa confiar minha vida. Uma coisa estranha fez meu sentidos variarem, perdi a calma e disse coisas tão ruins que até sinto mal de lembrar, palavras que ecoaram sua maldade na mente, torturando o coração do meu amor. Fui embora depois, sem dar explicações, apenas parti porta a fora e andei sem rumo, com o olhar distante, uma simples andante. Passado um tempo a saudade corroia o peito e fui te procurar, você não estava em casa, tentei te ligar, mas você não me atendeu. Onde poderia estar, amor meu? Agora que estou aqui, perdida em meio as nossas fotografias, é quase humanamente impossível controlar, eu só posso chorar, mesmo sabendo que lágrimas não farão você voltar, eu me ponho a chorar.

— Letícia Durães
A casa estava velha e suja, a cada passo que dava o piso de madeira do chão rangia. É estranho estar aqui mais uma vez, nunca pensei que voltaria a ficar sob este teto de novo, chega a ser incômodo entrar aqui dentro, acho que estou perdendo os sentidos, o ar está pesado.
- Você está bem, Deborah?
- Claro que não! Olhe só para isso, veja como o tempo passa e leva junto parte de nós.
- Ah, meu bem. Isso acontece quando não fincamos raízes, quando deixamos. Não fique assim, você mesma disse esse lugar lhe traz lembranças ruins. Bom mesmo seria esquecê-las.
Assim disse meu noivo me puxando pelo braço para fora da casa quando eu iria replicar, mas desisti, ele não entenderia. Mesmo ruins as lembranças fazem parte de quem eu sou, não devo nunca me desfazer delas.

— Letícia Durães
Que dia cinzento está lá fora. Estou deprimido e não é culpa da ventania nem do barulho da chuva que bate na janela. É por culpa tua, minha pequena. Roubastes meu coração e fugistes com ele para o horizonte, escondendo-se com o pôr-do-sol. Mas esqueceu-se de uma coisa: ainda sem coração, sou cheio de sentimentos por ti. Isso está corroendo-me a alma, dói. Está frio, você bem que poderia voltar para mim. Eu te aqueceria nos meus braços, te mimaria por toda a noite. Sentaríamos de frente à lareira e planejaríamos nosso futuro, minha boneca. Ah! Tua pele tão macia faz-me falta, quero acariciá-la, quero beijá-la, quero morder-la. Não. Não te quero por um instante, nem por um minuto, muito menos uma noite que seja. Seria muito pouco para saciar o meu desejo. Cada minuto que passo sem te ter nos meus braços é uma parte de minha vida que não há significado algum, minha boneca. Sem ti meu coração só bate para bombear sangue. Só na tua companhia que ele bate para manter meus sentimentos vivos. Você costumava reclamar do pouco uso que eu fazia das palavras. É simples, nada que eu ousasse em dizer iria fazer-te descobrir o quanto eu estava encantado por tua presença, ali do meu lado. A única coisa que lhe transmitiria essa verdade seria o puro brilho que existia em meus olhos. Você estaria comigo agora se não desviasse tanto seus olhos temerosos dos meus. Olhos famintos de amor. Você teria sentido, você teria acreditado, teria se entregado. Será que a falta de amor vinha de você e não de mim, com costumavas jogar-me na cara? Eu é que fui o iludido da relação, eu é que sofri pela falsidade do coração alheio. Entendo-te, sabia. Você devia estar em guerra com o coração e a mente. Entre o sim e o não. Sei que se pudesse, escolheria em não fazer-me sofrer. Eu te conheço, garota. Mas o coração é intransigente e não respeita a consciência, atropela a razão. Mas, meu anjo, volte e devolva intacto meu choroso coração.
E em toda a sua complexidade, eu encontrei. Descobri, dentro de uma delicada caixinha com laços de cetim negro e vermelho, um amontoado de sentimentos. Tão bem protegidos, tão mal compreendidos. Ah, minha meiga senhorita. Eu os peguei, pensando em dar todos os meus em troca. Prometi a mim mesmo que cuidaria de tamanha sensibilidade. Mas é uma pena. Carrego agora, nesse peito magoado, um grande remorso. Perdoe minhas descuidadas mães de ferro. Tomei posse de algo tão ingênuo quanto doce e tornei-o frio, calculista e rancoroso. Privei-a do conforto do amor, deixei os sentimentos daquela frágil caixinha que abri, sem ao menos ter a chave, temerosos. Nem minhas canções poderão mais alcançar as profundezas do teu peito. Atire-me suas palavras, bote para fora toda a sua indignação, chore tua decepção. Tão ingênuos, tão desconhecidos, tão incapazes.

Letícia Durães
17 de setembro de 2011.

Minha paixão,

Cuidou de mim, guardou meu coração, me deu carinho, me deu seu amor todinho e resolveu tomar. Perdida e desolada, me vi sem rumo, sentei no chão da varanda e chorei, corri para a praia e gritei para o mar, pedi para que me levasse embora em suas ondas, pedi para dar um fim na minha dor. Nada aconteceu, o mar me ignorou completamente, virei contra o vento e orei a Deus, pedindo para que me abraçasse me levando para longe de toda aquela agonia. Nada aconteceu, só doeu ainda mais. Cansada, suja e molhada, voltei para a casa no calar do dia, passei a noite dentro da banheira, cogitando em te ligar, chegando ao fim da garrafa de vinho peguei o telefone e digitei teu número, telefone mudo não chama. Digitei teu outro número, esperei… esperei, você finalmente atendeu. Fiquei muda por alguns instantes, você não disse nada além de “alô”. Joguei o telefone contra a parede e chorei deitada no chão do quarto.
É por isso que lhe escrevo esta carta, por não poder ouvir tua voz, eu tenho certeza de que irei chorar e acabar dizendo bobagens. Eu sinto tanto a sua falta, eu sonho com o dia em que irá voltar, com o dia em que irá sentir a minha falta e virá aqui me resgatar.

Letícia Durães

26 de setembro de 2011.

Meu anjo,
Estou cansada. Penso seriamente em desistir, em trair minha alma, em ir embora e abandonar a dor com meu corpo. Vagar por aí, sem saber para onde… já me faz mal, o reflexo fútil no espelho me faz chorar, me sinto morrer lentamente. Meu corpo e minha alma estão dilacerados, irreparáveis, confusos. Ah, me anjo, estou desnorteada, descontrolada… sabes bem do meu estado mental. Há momentos em que sinto meu corpo sem alma, outros dias uma alma sem corpo. Sinto muito, sinto por não ter mais forças para lutar contra as dores, sinto por ter falhado e o decepcionado, sinto por não ter sido o suficiente, sinto por ter feito meu próprio corpo sangrar. Será que minha consciência revoltou-se e foi embora sem nem ao menos pensar em como eu ficaria? Oh, anjo meu, quantas vezes olhei para o céu e pedi forças ao Pai e me ajoelhei no chão chorando e orando. Já lhe disse que estou cansada e que pensando em desistir? Mas… e se vier o arrependimento e a dor permanecer, sendo tarde demais para voltar ao início? Eu sei que virá, então eu vou tentar por mais um dia. Juro que não me farei sofrer, vou superar o dor com o tempo, não com o sangue que me escorre das veias. Fica comigo, anjo? Me dê forças para acordar pelas manhãs, me de coragem de seguir com o dia a te o fim, me perdoe pelas burradas que cometi, me de o amor que nunca recebi. Hoje eu choro, hoje eu morro, mas amanhã quiçá eu consiga viver…

— De um espírito quase desistente
Manuele,

Hoje, a caminho de minha casa olhando para o lado de fora do trem, lembrei de mamãe. A chuva batia no vidro reforçado da janela e o vento soava mais intenso do lado de fora, quase que pude sentir o cheiro dela, um cheirinho fresco de jasmim, a risada gostosa dela nos meus ouvidos, senti aquele arrepio que todas nós sentíamos quando ela nos contava aqueles causos, que eram contados a ela quando criança. Ah, minha querida Manuele, eu chorei baixinho dentro do meu vagão, mas senti que aos ouvidos daqueles que caminhavam no corredor chegaram os sons do meu pranto contido. Que saudade da nossa mãe, fez de sua vida tão sofrida uma fonte de bondade, sempre tão meiga e gentil com todos nós, sempre a nossa protetora vigorosa. Sou grata a ela, eternamente, por ter me adotado, por ter te adotado e por toda a nossa família, ela fez de tudo para nos mostrar que a vida não é um parque de diversão onde todos somos forçados a comprar o ticket e brincar, brincar de sofrer. Mamãe nos ensinou a tirar proveito disso, nos fez matar as dores e criar alegrias. Quando ela se foi eu chorei trancada no silêncio do meu quarto, ela nunca quis que chorássemos por morte, dizia que a vida era eterna, só queria que orássemos sempre. Minha linda Manuele, eu senti a presença calma de mamãe do meu lado naquele instante, me dando força para viver, eu chorei de novo, estava tão feliz, com amor preenchendo meu peito. Então eu pensei baixinho: “Um dia a gente se vê, minha mãe”

Eu te amo, irmã
Não vou chorar. Sou forte. Chorei mais que o suficiente… Mas aqueles olhos apresentaram-me tanta dor, tanta sinceridade. Eu deveria era tê-lo agarrado pela face e pregado um beijo macio naquela boca quente. Sebe, eu gostei de vê-lo daquela maneira. Teria ele sentido o mesmo quando era eu quem implorava? Ele nunca me quis tanto antes como me quis agora pouco, tava nos olhos o desejo. Pensei que ele me prenderia nos braços e largar-me-ia um beijo na boca – as últimas palavras ditas ficaram suspensas no ar pelo resto da noite. Eu não dormi nem por um instante, a conversa ecoava pela casa, na mente.
Ainda recordo-me. Assim que vi minhas forças me abandonarem subitamente. Corri atrás de sorrisos. Atrás de teus sorrisos. Encantei-me com teu olhar, por teus movimentos incertos, pela tua calma. Ah, doces são as minhas lembranças daqueles dias. Levastes-me a passeios de barco, enviava-me bilhetes, dava-me rosas; uma por semana. Teus lábios quentes roçavam minha pele, beijava-me a mão e subia ao pescoço. Íamos à modesta livraria, onde saboreavam nosso amor, fui numa delas que manifestamos, pela primeira vez, nosso amor. Nos fins das tardes de domingo, deitados no carpete da sala e fazíamos planos. Aliás, tudo era possível. Arriscaríamos. O mundo nos pertencia. Pertencíamos ao mundo. O que teríamos a perder? O nosso amor? Esse se mostrava eterno. Só enquanto durou, mas é claro.

Letícia Durães
Cacos de vidro, espalhados por todo o quarto. O vento faz os galhos da velha árvore baterem violentamente na janela. Não me surpreenderia se a janela quebrasse também. Que tudo se quebre, não ligo. Tentador esses cacos de vidro, pegar e cortar. Mas não, eu prometi, prometi para mim, pro meu coração. Se por dentro eu estava dilacerada não havia necessidade de me perfurar por fora também. A dor não sairia pelos rasgos junto com o sangue. As lágrimas se encarregariam de limpar minha dor interna. Para que eu fui jogar o vaso com os meus jasmins na parede? Que estupidez a minha. Mas uma noite de insônia em companhia dessas lágrimas, que eu chore até o raiar do sol. Quando a brisa da manhã entrar pela janela eu vou sorrir ao enxugar os rastros da última lágrima incomoda. Eu vou ter alívio, terei superado mais um dia.
- Por que me evita tanto?
- Porque eu já tenho um relacionamento fixo – ela disse apontando pra o anel em seu dedo.
- Eu sei disso, você nunca tira esse anel do seu dedo. Mas você pode muito bem em ficar só comigo, ser minha apenas.
- Ei, eu e você somos tão iguais, logo estaremos entediados, cansados um do outro, presos em um relacionamento medíocre, lembrando de momentos como esse que estamos tendo agora.
- Não vamos. Eu juro, nada vai se transformar em obsoleto, enquanto houver amor nós vamos fazer perdurar.
- Chega disso! Eu e você temos um lance carnal, não há sentimento de paixão devastadora ou de amor ardente, é uma atração física e só!
- Mas… Eu te amo.
- Não é amor, é desejo, é química, é pele. É um fogo que antes adormecido e agora encontrou uma maneira de escapar.
- Não me rejeite, nunca rejeite o amor de ninguém. Você nega agora, mas vai chegar o dia em que você vai sentir uma saudade incessante, sentir todo o amor que rejeita de mim. Vai me buscar pelos cantos, vai chorar, vai sentir culpa e quando finalmente me encontrar, vai desabar em mim, vai dizer três palavras jamais saídas da tua boca carnuda. E eu vou te lembrar dessa noite. A noite que em que fui embora e te disse “adeus”, e você não fez nada para me impedir de sumir nas sombras da noite fria de setembro.
Deu um beijo nos lábios dela e foi embora sem hesitar, desaparecendo na escuridão, nem ao menos olhou para trás. E a figura dela, atônita, caiu em estado de espera. À espera dele um dia voltar.

Letícia Durães
Roxanne pegou seu livro e abriu na página marcada, leu dois ou três capítulos com o pensamento solto no ar, buscando ter alguma distração ao longo da noite. Quando seus olhos se depararam com uma palavra que tornavam os sentimentos adormecidos mais intensos, fazendo a pequena dor no peito voltar e machucar seu ser. Fechou o livro e jogou-o no chão, levantando-se do sofá e indo em direção a cozinha. Voltou atrapalhada com uma xícara de café na mão e pão de queijo na outra quando a campainha tocou, era o carteiro. “Que babaca, já tarde da noite vem me importunar!”. Deixou um pacote e um bilhete, se desculpou pelo horário e disse que foi o pedido que exigiu rapidez. O pacote era uma caixa embrulhada como presente, no bilhete dizia; “Espero que toda vez ao olhar para o céu e ver os pássaros voando em direção ao sol, se lembre de mim. Um beijo. Gabriel” Na caixa havia, talhado em madeira, um cenário já conhecido de Roxi, era bem trabalho, bem delicado. Podia-se ver algumas árvores, um gramado rasteiro e pássaros. Sim, era uma linda tarde ensolarada de setembro, onde grande parte da alegria e tristeza da pequena Roxi foi traçada. Onde seu amor lhe disse palavras doces e gentis, com mentiras ensaiadas na ponta da língua. Ela acreditou e se entregou, amou. No fim do dia, a máscara caiu e a verdade escapou pela boca do mentiroso, foi bem pelo olhar no momento de ardor de madrugada, mas a boca terminou de entregar. “Eu te amo, minha Rosa Maria”. O sujeito se atreveu a falar. Roxi, confusa e surpresa deu-lhe uns tabefes. “Como se atreve a me trair e o nome da outra sussurrar em meus ouvidos?” Nem um dia depois, Roxanne chorava de saudade, mas aquele atrevido nunca mais voltaria a amar. Não serão os pássaros que cruzam os céus que vão me fazer te aceitar, muito menos as palavras de um livro qualquer vão me fazer por ti chorar.



Letícia Durães
O barulho das águas do mar era mais alto que o zunido do vento, os olhos piscavam cada vez mais pesados, a boca estava seca e os lábios rachados. As pernas trêmulas vacilavam em cada sopro forte do vento, Cristine se sentia mais leve com cada sussurro malicioso da ventania, uma fina garoa caia do céu molhando os cachos loiros de seus cabelos, sua mente em turbilhão fazia a cabeça doer e o cérebro queimar, arrancando lá do passado lembranças mortas e sentimentos perdidos. “É só mais um passo, Cristine, dê mais um passo.” Era isso que ela ouvia. Seu pé deslizou mais para frente do rochedo e desprendeu uma pedra que saiu rolando despenhadeiro abaixo, uma queda sem fim.
- Cristine! Não… venha para cá – a voz de sua irmã surgiu atrás dela.
- Vá embora, Manuele. Não chegue perto – sua voz tremula quase falhara.
- O que você pensa que está fazendo? Saia já daí ou eu vou te buscar a força.
- Acabou para mim, não tenho mais vontade de continuar.
- Por que não? Por que você amou e não foi amada? Vai acabar com tua vida depois de tudo que mamãe fez por nós? Cristine, a sua família te ama, você tem a nós.
A chuva começou a engrossar e o vento a uivar assustadoramente. A respiração de Manuele estava ofegante e seus cabelos voando com o vento, ela movia seu corpo cada vez mais perto da direção de sua irmã.
- Eu não quero ser um peso para ninguém e é o que eu sou. Olhe para mim! Olhe no que me tornei, eu não posso mais dançar e eu só sei dançar.
- Mas do que você está falando? O médico disse que seu tornozelo tem chances de voltar ao normal, você ainda pode dançar. Não fale bobagens, Cristine.
- Não. Eu não posso mais dançar ballet. Semana passada descobri na sessão de fisioterapia e eu não posso mais nem pensar em dança. Eu estou perdida.
- Ah, minha menina. Lembra de quando eu caí da árvore e quebrei o braço, tive que perder a minha formatura, pois fiquei em repouso no hospital? Foi o fim do mundo e você ficou do meu lado, você e a Roxi. Nós vamos ficar com você aconteça o que acontecer – disse Manuele em um sussurro quando se aproximava lentamente de Cristine, a envolvendo em um abraço e a arrastando pala longe do despenhadeiro.
- Vamos para casa.

Letícia Durães
A garotinha chorona sentada debaixo da árvore de ipê amarelo, carregava nas mãos um livro de capa branca e negra um tanto grosso, na capa estava gravado “A menina que roubava livros”, aquela menina tão bela sempre estava com os olhos verdes arregalados e vermelhos, vivia esfregando e limpando os olhos cheios de água. Queria saber os motivos da tristeza daquela menina, quero ainda, mas ela é tão retraída, parece que tem medo de conversar e eu fico com uma indecisão martelando a mente, não quero puxar assunto da maneira errada e ela não querer nem mais andar na mesma rua que eu. Agora ela se levanta meio lerda, meio tonta, deve ser porque leu a manhã inteira, como ela gosta de ler, está sempre com um livro na mão. As mãos dela são esguias, os dedos finos, com um anel no dedo indicador, e uma pulseira delicada no pulso. Ela é tão… tão (não sei). Quando a vejo sentada no canto da biblioteca da escola, tão quieta, com uma carinha chorosa eu só tenho vontade de me levantar da cadeira e ir na sua direção, dar um abraço demorado nela, secar aquelas lágrimas insistentes que tiram toda a beleza daquele verde esmeralda dos olhos dela, ser o motivo de um sorriso daqueles lábios avermelhados, queria recitar minhas poesias nos ouvidos dela. Será que ela me rejeitaria? Às vezes penso que sou invisível para ela, um dia a gente se esbarrou no corredor eu os livros dela caíram no chão, quando eu fui perguntar se ela estava bem ela disse: “Você deveria tomar mais cuidado.” Girou nos calcanhares e foi embora. Ah, fiquei meio atônito com a reação dela, pensei em tê-la machucado, mas ela saiu andando quase que correndo. Quando cheguei em casa no inicio da noite, fui tirar minha camiseta e o cheiro dela estava lá, um cheiro de maçã, sim era um cheiro suave de maçã. Já chega! Eu tenho que encontrá-la amanhã, eu tenho que enlaçar ela nos meus braços e dizer que meus pensamentos são dela, apenas dela. Eu vou perguntar o motivo das lágrimas dela e vou fazê-la feliz, eu vou ser o “Rudy” da vida dela e ela será a minha “Liesel”. A minha garota dos livros, minha poesia. -

Letícia Durães
A garotinha chorona sentada debaixo da árvore de ipê amarelo, carregava nas mãos um livro de capa branca e negra um tanto grosso, na capa estava gravado “A menina que roubava livros”, aquela menina tão bela sempre estava com os olhos verdes arregalados e vermelhos, vivia esfregando e limpando os olhos cheios de água. Queria saber os motivos da tristeza daquela menina, quero ainda, mas ela é tão retraída, parece que tem medo de conversar e eu fico com uma indecisão martelando a mente, não quero puxar assunto da maneira errada e ela não querer nem mais andar na mesma rua que eu. Agora ela se levanta meio lerda, meio tonta, deve ser porque leu a manhã inteira, como ela gosta de ler, está sempre com um livro na mão. As mãos dela são esguias, os dedos finos, com um anel no dedo indicador, e uma pulseira delicada no pulso. Ela é tão… tão (não sei). Quando a vejo sentada no canto da biblioteca da escola, tão quieta, com uma carinha chorosa eu só tenho vontade de me levantar da cadeira e ir na sua direção, dar um abraço demorado nela, secar aquelas lágrimas insistentes que tiram toda a beleza daquele verde esmeralda dos olhos dela, ser o motivo de um sorriso daqueles lábios avermelhados, queria recitar minhas poesias nos ouvidos dela. Será que ela me rejeitaria? Às vezes penso que sou invisível para ela, um dia a gente se esbarrou no corredor eu os livros dela caíram no chão, quando eu fui perguntar se ela estava bem ela disse: “Você deveria tomar mais cuidado.” Girou nos calcanhares e foi embora. Ah, fiquei meio atônito com a reação dela, pensei em tê-la machucado, mas ela saiu andando quase que correndo. Quando cheguei em casa no inicio da noite, fui tirar minha camiseta e o cheiro dela estava lá, um cheiro de maçã, sim era um cheiro suave de maçã. Já chega! Eu tenho que encontrá-la amanhã, eu tenho que enlaçar ela nos meus braços e dizer que meus pensamentos são dela, apenas dela. Eu vou perguntar o motivo das lágrimas dela e vou fazê-la feliz, eu vou ser o “Rudy” da vida dela e ela será a minha “Liesel”. A minha garota dos livros, minha poesia. -

Letícia Durães
O vento balançava os fios dos cabelos negros de Munique, a pequena garota mal conseguia abrir os olhos por causa das folhas que o vento levantava, sem contar com a poeira que entrava mesmo com as pálpebras fechadas e a boca, aquela linda boca, se mantinha bem fechada para não entrar mosquito e nem para sair palavras malvadas. O coque preso com um laço de fita cor de abóbora estava quase todo desfeito e a saia de Munique sempre se levantava se debatendo junto com o vento. Nas mãos a menina carregava uma caneta e um caderninho marrom meio antiquado, ela tinha uma expressão exasperada na face. Sentou-se abruptamente no banco de madeira em torno da árvore de amora, abrindo seu caderninho e escolhendo uma página, tirou a tampa da caneta e contemplou sua cor por alguns meros segundos se preparando para escrever algumas palavras nas páginas brancas a sua frente. Colocou a ponta da caneta e escreveu “Querido diário. Hoje eu morri. Morri por dentro, com as palavras que saiam da minha garganta…” E uma canção de fundo se instalou nos ouvidos de Munique, uma velha canção já conhecida, a canção que seu pai costumava tocar para ela e sua mãe, na companhia de seu amigo Miguel e seu filho Jean, mas diferente da versão de seu pai que era interpretada ao som do piano, essa música era tocado por um violino, tocada de uma maneira tão dolorosa que fez uma lágrima se desprender dos olhos de Munique. De onde vinha aquele som? Era de sua mente? Não. Atrás de Munique, entre os galhos da árvore surgiu um par de olhos castanhos e em emaranhado de cabelos ondulados cor de mel. Era Jean. “Como ele cresceu, era tão mirradinho esse menino” pensou Munique fazendo careta de surpresa.
- Bonjour, Munique. Eu senti sua falta – disse ele abaixando o violino.
- Bonjour, meu amigo. Por onde esteve durante esses anos?
- Ah, ma chérie. Estive a minha procura, tentando clarear as idéias, mes sentiments. Mas tive os pensamentos presos aqui. En vous, em você.
- Não deveria nem ter partido, Jean. Só se fez sofrer. Eu senti tanto a sua falta, me sento tão sozinha desde que papai se foi.
- Perdão. Mas foi bom ter ficado um tempo distante, poder ficar juste moi. Isso me fez perceber que o que eu sinto não é uma paixão efêmera, é amor. Je t’aime.
- Será? Pois eu te amo muito mais do que poderia imaginar, nem eu mesma sabia do quanto. Mas quando você partiu e suas cartas se tornavam menos freqüentes, meu coração se partiu em dois, chorei muito. E quando eu escutei a canção que papai tocava vindo das cordas de teu violino, meu coração pareceu se refazer e bater tão forte quanto esses ventos agosto. Eu sempre te amei.
O vento pareceu intensificar naquele instante, alinhando os corpos daquele casal, a respiração ofegante e os olhos focados um no do outro. O beijo fluiu natural das bocas sedentas de amor de Munique e Jean, os envolvendo no amor mais gentil que um dia a pequena Munique sonhara em receber.

Letícia Durães
Diz - me que seu coração anseia por outro alguém, que junto a mim a felicidade seria um sonho impossível, que a paz não mora em nossa casa, que eu acabei com toda a tua essência, que eu sou a causa das tuas dores, joga em mim o peso do teu fracasso. E agora que se foi embora, eu é que me sinto mais leve. Meu coração está mais calmo, não tenho obrigação de maquiar um riso para dar a ti. Vá embora, não se demore mais por aqui, leve na mala as tuas agonias, os teus venenos de tristeza, a tua falsidade. Deixe- me aqui, com meu violão e minhas notas inacabadas, não dependo de ti para compor nenhuma canção, nunca te impedi de ir atrás das ilusões da mente. Vá, meu bem! Que aprenda com a tua teimosia, pode chorar o quanto quiser, nunca mais enxugarei uma lágrima tua sequer. De você já esqueci há muito tempo.

Letícia Durães

sábado, 19 de novembro de 2011

Oro a Deus por ti

O vento bateu forte na janela e afastou as cortinas, meu corpo se treme com um arrepio dos pés a cabeça. Talvez seja um aviso de que tem chuva a cair, bom, só água de chuva seria capaz de lavar toda a dor que há nesse chão. Ah! Esse tempo me faz lembrar de três anos atrás, de quando ainda amava… blá blá blá. Que diabos! Essas lembranças tolas são insignificantes perto de tantas emoções que ainda hei de viver. Com ou sem um bem querer ao meu lado. Lembro, a tarde já estava ao fim quando cheguei em casa, Daniel, meu bem-amado, estava sentado na cadeira perto da porta, se apoiava nos braços da cadeira e tinha os olhos fixos para o nada, parecia perdido em seus próprios pensamentos, pois nem percebeu que eu me aproximava.
- Que bom vê-lo por aqui, meu bem – disse tocando em seu braço – devia ter me ligado que eu chegaria mais cedo, para não ter que ficar do lado de fora, esperando. Entre – estava tão sorridente que nem reparei em que estado estava Daniel.
- Não vou me demorar. Joanna, minha querida, eu a amo tanto que – pegou minhas mãos e suspirou mais uma vez – Ah! Como posso não dizer, só de pensar em um dia viver sem você não caibo em mim de angustia, chega à dor tanto que sofro por dias (desculpe por lhe dizer tudo isso de uma só vez), mas é quase que ter você junto a mim e seu amor é minha razão de viver. Eu sei, isso parece amor obsessivo, mas acredite, não é e nunca será. Eu preciso te proteger…
- Espera. Para que serve tudo isso? O que você fez Daniel? Ah! Não quero nem imaginar – meus olhos já estavam rasos de lágrimas e o sangue fervia nas veias – Vá lá, diga, me traiu não foi?
- E você acha que eu seria capaz? Não, não conseguiria conviver comigo mesmo, jamais pense nisso novamente Jo.
- Ora – disse o abraçando forte – Então o que houve?
- Por que, deveria ter acontecido algo para mim ter de lhe dizer isso? Meu bem, eu apenas me sinto com o coração sufocado de angustias, culpo meus sonhos por isso. Escute bem, eu vou te proteger, sempre, mesmo que você não perceba, eu vou estar com você – ele disse tão tranqüilo que me acalmei e sorri com ele que, por sua vez, decidiu entrar e jantar comigo.
A noite correu tranqüila, era como se a nossa conversa inicial não tivesse causado efeito algum que nos deixasse inconfortáveis. Encerramos a noite e fomos nos deitar – deixamos a janela aberta, pois era verão e o ar noturno deixaria o quarto fresco. Acordei no meio da madrugada, passava das 3h e Daniel não estava na cama, me levantei e fui à cozinha, quando o vi sentado no sofá, com a cabeça baixa e parecia estar em prece.
- Amor? Teve mais um pesadelo? Venha se deitar, não dorme há noites e está cansado demais, sem contar que amanhã temos que acordar cedo. Venha…
- Joanna vem cá. Sente-se aqui, não se preocupe com amanhã. Me dê sua mão e venha para a luz, quero olhar em teus olhos, são tão lindos. Você sabe como meu amor por você é único, tão forte que dói o peito de tanto amor, amo-a menos que Deus e mais que a mim – ele respirou fundo e fechou os olhos – Sei que você nutre uma aversão por Deus, nosso Pai, e da sua revolta quanto a vida ser “injusta” a seus olhos, mas, minha querida, não te preocupes com nada, Deus toma conta de todos nós e eu estarei sempre junto a ti – beijou minhas mãos e pediu: - Me prometa uma coisa? Não se descuide, não desvie do seu caminho, não aja com a mente. Escute seu coração que a verdade está lá.
- Por que me diz isso? Tem haver com teu sonho. Anda, me diga – lágrimas se punham a escorrer e tremia – Você está aqui, pare de bobagens, sempre estará aqui comigo, você está esgotado e precisa descansar, é por isso que está a dizer tal coisa. Está perturbado. Durma que amanhã isso desaparecerá.
- Me escute…
- Cale-se! – me levantei e o puxei para o quarto – Nada irá acontecer. Eu o amo acima de tudo, mais que a mim e até mais que a Deus. Sim, sabe o que o faço todas as manhãs? Oro a Deus para que te leve antes de mim, só para não ter que vê-lo sofrer por minha causa, que eu sofra em seu lugar todas as dores do mundo.
Daniel tinha a expressão grave e segredou-me ao pé do ouvido: - Deve amar a Deus acima de tudo, pois Ele é o amor e se não fosse por ele eu nada seria para você. Boa noite, querida – me abraçou e dormimos.
Nos três dias seguintes, tudo correu bem, nenhum de nós tocamos no assunto, mas lá fundo a voz dele me vinha à mente tornando mais forte o sentido de “amor”. Na segunda semana o telefone tocou, era do hospital, do outro lado da linha uma enfermeira de voz fria:
- Bom dia. Aqui é do Hospital Maria das Graças. Eu gostaria de falar com Joanna Freitas, ela está?
- Sou eu – saiu uma voz fina e trêmula.
- Encontramos seu contado com um paciente que acabou de chegar, Daniel Magalhães, a senhora poderia vir até o hospital? Só temos o seu contato – diante de cada palavra minhas forças vacilavam, quase não pude anotar o endereço.
Peguei as chaves e cheguei o mais depressa possível no hospital. Encontrei um médico no saguão (justamente o médico que havia atendido Daniel), ele tocou em meus ombros e disse com a voz baixa:
- Sente-se, por favor. Ahn, eu sinto em ter de lhe informar tal notícia. Recebemos vários pacientes, devido a um acidente que ocorreu nessa manhã, um caminhão bateu na traseira de um ônibus, que por sua vez bateu no carro do Sr. Daniel e de mais duas pessoas, infelizmente o impacto foi grande. As vitimas de um dos outros dois carros morreram na hora, os passageiros do ônibus e o motorista do caminhão estão bem e, bem, Daniel foi trazido em vida para o hospital, mas não resistiu devido às graves lesões veio a falecer à cerca de meia hora. Sinto muito pela sua perda.
Eu não disse nada, continuei sentada na cadeira por algum tempo, pedi para ver Daniel e ficar sozinha com ele, graças a Deus permitiram, quando entrei o vi deitado na maca, de rosto cadavérico e pálido. Chorei e beijei suas faces, roguei para que ele voltasse, que acordasse, por fim, me demorei por lá até que viessem me tirar. Ah! Essas lembranças não permito que voltem.
Meses depois, encontrei entre um dos livros de Daniel uma carta, para mim, dizia coisas tão lindas que só podiam ser dele, me pedia para ter força e confiar em Deus, falava do quanto me amava e de que sempre estaria comigo, confortando o coração. Sem nem ao menos eu perceber, Daniel havia plantado uma semente de amor e confiança em Deus dentro do meu coração. Aquela carta me trouxe tanta paz, senti a presença dele ao meu lado e sua voz recitando palavra por palavra, me amando.
Penso que ele sabia que teria que se separar de mim.

Letícia Durães

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Acordar de manhã e martelar a cabeça com pensamentos sobre o amanhã, sobre o que dizer quando o vizinho me cumprimentar ou qual roupa devo vestir para ir a padaria. Esconder as marcas de uma noite mal dormida com quilos de maquiagem no rosto e um sorriso fingido no canto da boca, a cabeça batendo mais forte a cada TUM TUM pesado das batidas do coração. Tudo planejado, tudo em seu lugar perfeitamente posicionado, nada podia sair de ordem. Fantasiava minha vida inteirinha, do amanhecer até o enoitecer, me prendendo ao conformismo, me limitando a uma bolha de plástico transparente que me permitia ver a vida passar aos meus olhos e perder o sentido.
Noite e dia não fazia mais diferença nenhuma para mim, nem se chovia e fazia frio, calor e flores se abrindo, apenas um borrão sem importância alguma. Também não ligava para refeições ou folgas do trabalho – isso funcionava como uma fuga. Dormia tarde e acordava cedo.
Sabe-se lá o porquê, decidi sair para espairecer um pouco, tinha muitos papéis a serem organizados, minha cabeça já não distinguia letra de número. Já estava tarde, ventava frio e serenava, estava com fome e parei em uma banca de doces, fiquei examinando de fora da vitrine, pensando em quantas calorias iria consumir – enfim uma preocupação comigo mesma!
- Você está comendo com os olhos mesmo? – escutei uma voz vinda da minha esquerda.
- Não… E-eu só… Ah! E se eu estivesse? – disse virando para a pessoa, meio estupefata.
- Calma moça! –ele disse levantando as mãos como que se rendesse – Eu só estava tentando te chamar de volta a realidade. Veja, está quase fechando, é melhor se apressar.
Entrei na loja e fiz meu pedido, o meu e mais um. Sai da loja e voltei com dois cafés e os quitutes nas mãos, sorri e ofereci para ele, que estava parado perto dos bancos da praça e olhando para o céu.
- Olhe – ele disse pegando os cafés e pondo em cima de um banco – Está vendo essas estrelas? Fora elas há milhares de outras, escondidas, talvez estejam com medo de serem descobertas.
- Ahn… Tome seu café, vai esfriar – falei meio encabulada.
- Foi assim com você? Estava escondida? Com medo de ser notada pelas esquinas? E, assim como as estrelas, cansou da surdina e resolver dar o ar das graças?
-Como? – arregalei os olhos com a surpresa.
- Sim? Eu sempre venho aqui, mas nunca te vi. Estava ali na livraria quando vi você parada em frente aos doces, como se nunca tivesse visto algo parecido antes. Tão diferente, nova dentre tantas pessoas iguais.
- Ah.. eu, eu, você…
- Tome seu café, querida. Vai esfriar. – ele disse baixinho me puxando pela cintura e sorrindo.

Letícia Ribeiro

... com apenas um bilhete

Amelie Monselli, apaixonada – mesmo tão ferida – raras às vezes que deixara o amor em seu coração entrar, quase nunca – isso posso afirmar – amara verdadeiramente. Encontrava em seus livros uma terna paz que se encarregara de anestesiar a agitação interna e afastar pensamentos destrutivos da mente. O amor aparecera para Amelie tão forte e rápido quanto o vento que assoviava entre os galhos das árvores do parque, na fria manhã de outubro de 2008. Ela sentia seus dedos adormecerem dentro das luvas e via o gelo tornar-se mais denso sobre o lago da grande cidade. Pessoas no seu vai e vem, trabalho e casa, passeios e brincadeiras no gelo. Lá estava Amelie, apenas ela, sentada dentro de uma cafeteria, tentando se esquentar com grossos casacos, uma xícara de chá e um livro de suspense chegando ao fim.
Pobre mulher, já se contentara com seu amargurado coração inóspito de qualquer sentimento bom, já havia se preparado para voltar à sua casa quando uma forte rajada de vento desalinhara seus longos cabelos ruivos, trazendo de longe um cachecol azul – assim que saiu da cafeteria – ainda confusa, Amelie se assustou com o par de olhos azuis que a fitara assustados – tão azuis quanto o fundo de um oceano. Junto com o susto, ela sentiu seu corpo perder o equilíbrio e só não foi ao chão por causa do braço forte que sustentou seu corpo e a levou para o interior da cafeteria.
- Desculpe, a ventania conseguiu arrancar-me o cachecol das mãos e acabou que por levá-lo a você. Ah, eu sou Andrew – disse servindo uma água para Amelie.
Ainda entorpecida pelo susto, o coração da jovem batia a mil – nem tanto pelo susto – mas aquele rosto de sorriso jovial lhe pareceu conhecido de datas e, do seu íntimo, uma alegria, até então desconhecida, ganhava forças. Tudo o que ela queria era abraçar aquele moço desconhecido e sentir os problemas discernirem da mente.
- Não tem problema, eu entendo, o vento parece ficar mais forte a cada dia. Prazer. Chame-me de Amelie… – as palavras saíram suaves e restou silêncio, o olhar preso no do outro e Andrew sorriu.
- Olha Amelie, estava indo embora? Eu vim para essa cidade para visitar minha irmã, mas recebi uma ligação dela dizendo que iria dormir na cidade vizinha por causa do gelo nas ruas e agora estou sem companhia. Apreciaria muito a sua presença no almoço. O que me diz?
- Seria falta de educação de minha parte se recusasse, já que você me foi tão educado. Embora eu mal saiba quem é você, de fato, irei aceitar. Já tem algum lugar em mente?
- Hum… Não. Isso você é quem decide, eu ainda não andei pela cidade, cheguei ontem à noite. Enfim, eu vou para onde você me levar.
Amelie sorriu e baixou os olhos. Pegou um papel e anotou um endereço e disse?
- Me pegue às 19h nesse endereço. O lugar… É surpresa, uma das boas – falando isso pegou o casaco e foi embora.
Andrew ficou na cafeteria por mais algum tempo, pensando no que acabara de acontecer, no que sentira quando os olhos castanhos da mulher encontraram os seus, aqueles lábios desenhados e todas as palavras que saia da boca de Amelie (Ah! Que nome doce, tanto quando a dona). De súbito pulou da cadeira e foi para casa, já se passava das 14h. Agora chegara à hora de buscar Amelie, Andrew se surpreendeu com o quão ansioso estava, entrou no carro e seguiu para o endereço indicado. Chegando lá viu que se tratava de um centro comunitário que lidava com os problemas de crianças sem morada. Amelie saiu lá de dentro sorrindo e cantarolando, seu sorriso foi de canto a canto quando viu Andrew, entrou no carro falando:
- Nossa, como está frio haha. Boa noite, vamos, vou congelar aqui.
- Ei, você trabalha aqui, sério? – indagou Andrew
- Trabalho sim, no tempo vago. Algum problema? – disse ela fechando o cenho.
- Nenhum, minha mãe fazia o mesmo. Para onde vamos? – falou mudando de assunto.
- Para minha casa. É logo ali no fim da rua.
Andrew sorria, parecia se divertir com a situação. Não havia imaginado jantar na casa de Amelie, mas se via satisfeito com a surpresa da moça desconhecida. Chegando lá, entraram e Amelie foi correndo terminar o que tinha preparado e serviu vinho para o convidado
- Não se importa de esperar, não é?
- Só vou te pedir uma coisa. Não me embebede e não abuse de mim – os dois explodirem em gargalhada.
- Só um minuto… Já está pronto. Deixei tudo preparado antes de sair.
Eles se limitaram a comer no balcão da cozinha mesmo. Entre uma taça de vinho e o prato de comida foram se conhecendo – havia entre eles uma ligação indizível – eram 21h quando Amelie lavava os pratos e Andrew apenas a fitava da porta (seus olhos não desviaram um segundo da moça desde que chegara).
- O que foi, Andrew? Você ficou quieto agora – disse Amelie virando-se para ele – Por quê?
- Perdi a fala – ele chegou mais perto e pegou nas mãos dela – Nada mais tenho a falar. Posso ouvir você falando por horas, mas eu não quero dizer nada. Eu gostaria de poder te ver amanhã, o que acha? Você me divertiu muito hoje.
(Silêncio)
- Ei, o que foi? – ele quebrou o silêncio que se tornara incômodo.
- Você não pode fazer isso, para!
- Ora, fazer o que?
- Me fazer gostar de você para depois ir embora, me deixando de coração partido. É melhor você ir agora – ela abriu a porta da frente e pediu – Por favor.
- Você sente o mesmo, não é? – ele disse quase num sussurro esperançoso. E Amelie reforçou o pedido sem encará-lo.
Ele foi embora de cabeça baixa. Ela, por sua vez, bateu a porta e suspirou amargurada. No dia seguinte levantou cedo e foi para o centro comunitário – no seu silêncio se culpava por deixar Andrew dominar seus pensamentos na noite passada. Sentou em sua mesa e viu um embrulho com um bilhete:

Amelie,

Desculpe se dei a entender algo errado noite passada. Gostaria de me desculpar. Aceita almoçar comigo essa tarde? Eu tenho um lugar para levá-la. Por favor, é de coração. Eu passo para pega-la às 19h.

Andrew.

Sem ao menos perceber, Amelie sorria com as palavras – e com a atitude. Como podia se sentir daquele jeito? Seu coração queria sair pela boca e, sim, ela iria almoçar com Andrew, não só naquela tarde, mas, todavia, Amelie sentia que Andrew era quem a tiraria da loucura de paixões passageiras. Era quem ela esperava.

Letícia Durães

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Lucy, nas nuvens

Lucy, jovem garota com toque de mulher, tão independente e mesmo assim ingênua. Ingênua sim está sempre à procura de um amor, aqui e acolá, não se cansa de errar, nunca pensou em esperar, quem sabe por medo de nunca achar. Menina teimosa, descontrolada, fazia o que bem entendia, amava escondida, guardava versos e poesias para si, chorava e não sabia, na maioria das vezes, sem saber o porquê, somente sentia o peito comprimir e os olhos ficaram rasos de lágrimas. Ah, sim, ela se sentia solitária. Ela queria ter um amor, alguém que a faça se sentir bem, segura, a vida era pesada demais para uma garotinha agüentar sozinhas os desenganos e mentiras, coisas inevitáveis, tristezas incomparáveis. Ela já se apaixonara algumas vezes na vida, até demais, mas nunca dera certo – ela não sentia que suas paixões carregassem algum afeto por ela - então, em toda sua confusão, jurou não mais amar.Como de costume viajou para visitar seus tios, no Tennessee, sozinha de avião, com pose de adulta sabida que nada sabia além de um palmo do nariz arrebitado. Até que o avião não estava muito cheio, então ela pode se acomodar em duas poltronas. Anoiteceu rápido e fazia muito frio naquela época, Lucy se enrolou nos cobertores e pôs seu fone de ouvidos, tentava relaxar e pegar no sono, mas ela tinha certo medo de altura e ficava apreensiva. Levantou-se e procurou uma aeromoça, ela estava entediada e quando ficava assim tinha fome, estava tudo silencioso, fora um som que vinha da outra classe, quase incompreensível. Curiosa com era, Lucy foi andando na ponta dos pés em direção ao som, atravessou a porta e viu que aquele ruído era causado pelo som pela televisão portátil do avião, alguém que estava em uma das poltronas logo à frente. Continuou andando até chegar à pessoa. Estava dormindo, era um rapaz, não muito mais velho a julgar pela aparência, de pele morena e cabelos negros ondulados, estava descoberto e seu corpo encolhido por causa do frio e os lábios meio que tremiam. Lucy, tirando coragem não sei de onde e escondendo a timidez, empurrou o jovem, na sua camisa estava gravado um nome, “Arthur”
.- Ei, acorde! – ela disse baixinho – Acorde, anda, você está congelando.
- Ahn... Ei! – ela disse de sobressalto – Quem é você? – limpando os olhos e se sentando na poltrona.
- É que escutei a televisão e não estava conseguindo dormir e... Bom, vim aqui e você estava dormindo e batendo o queixo. Está bem?
- Desculpe, é que eu, desculpe, me assustei.
- É... Posso sentar? Não consigo dormir e faltam algumas horas até o pouso do avião. Se incomoda?
- Não! Incomodo algum, sente aqui – ele desocupou a outra poltrona meio abobalhado – Desculpe, moça, mas qual teu nome? Eu sou Arthur, prazer – sorrindo e estendendo a mão.
- Ora, eu sou Lucy – ela se curvou como na época antiga e abriu um sorriso largo, se sentando e puxando a coberta – O que se passa? É um filme?
- Ah, é, Querido John, já viu?
- Não, acho que não. Você já? Não gosto muito de romances – disse Lucy meio pensativa.
- E seu o romance fosse à sua vida. Um amor a primeira vista, em um avião? – Arthur falou arqueando a sobrancelha – Você gostaria?
- Sim, mas agora eu tenho medo, não quero machucar ninguém, muito menos ser machucada. Não sei, é normal ter medo do amor, não? – Lucy abaixou a cabeça e chorou baixinho.
- Ei, todos temos medos, mas seria burrice deixar as oportunidades passarem porque tem medo de se ferir, deixando o arrependimento de não ter feito algo na vida consumir-lhe o corpo e alma. Apenas aceite. Olhe nos meus olhos e diga que não sentiu nada. Nem por um segundo.
- Não, eu não quero sentir.
- Mas sentiu, não adianta negar, Lucy. Eu posso ver, seus olhos flamejam, seu coração deve estar em ritmo descompassado, assim como o meu.
- Como pode? Você se sentir assim e saber que aqui dentro – ela fez um gesto indicando seu coração – se passa algo semelhante?
- Adoraria saber... Venha, me abrace. Eu preciso te abraçar, desde o momento em que vi você no embarque, também tive medo, mas você está aqui agora. E vai ficar, certo?
Lucy se deitou sobre o peito de Arthur e havia fechado os olhos. Na sua mente, embora confusa, tudo estava bem, seu peito estava cheio felicidade. Como se aquele momento fosse o mais importante, o mais esperado, o sonhado. Ela dormia tranqüila nos braços de Arthur e sorria enquanto ele afagava seus longos cachos louros e macios.

Letícia Durães

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Eu sou humana

Como todo ser humano, perdi minhas forças, parei de correr no meio da pista, cai ao chão e por lá fiquei, esperei, chorei, gritei, me ergui, sorri e voltei. Como primavera que teve suas flores destruídas, voltei mais forte, mulher decidida, com espírito sabedor, cabeça no lugar, de coração frio. Não busco mais por uma vida tranqüila, planos e objetivos, quero mais é me perder nas praias solitárias, pular e deixar o vento guiar meu destino, dançar ritmos diferentes, escutar sotaques e sentir cheiros diferentes. Entende? É só uma vontade de sair da bolha de plástico invisível que me cerca, de esquecer as bobeiras e tristezas que a vida me trouxe, pessoas novas, novos sabores, uma nova magia. Viajei. Voltei para casa. Admirei como minha casa permaneceu a mesma, suas paredes se fecharam em torno de mim, me deixaram... me deixaram morta, mataram a mim, mataram a pequena alegria que trouxe na bagagem, mataram com seus gritos do passado, com suas risadas ruidosas ecoando pelas velhas paredes e as janelas não deixavam o ar entrar. Morri mais uma vez, sem ar. Que devo ter feito na vida passada? Sento no chão e pego meu caderninho, junto os joelhos e escrevo, são só palavras, um esboço de desabafo, rabiscos, desenhos, músicas. Cadê o consolo? Mentiras sinceras não mais interessam, não me apego a palavras doces, nem gestos gentis, chega de meninice, basta. Não tenho mais que chorar, não permito ninguém a entrar aqui, não me doou por mais nada. Sinto muito, por mim.

Letícia Durães

sábado, 29 de outubro de 2011

Sinto que agora é um momento decisivo. Agora é a hora de mostrar quem sou, para o que vim, devo aplicar aqui tudo o que venho estudando, meus preparos, minhas verdades devem ser ditas, e mais, devem ser ouvidas, preciso ser acreditada, meus direitos serem reconhecidos. Nem que para isso eu precise lutar uma vida, eu sou capaz. Passo por noites solitárias, andando pelas ruas da grande capital e só vejo tristeza, muitos vivem por nada, apenas passam os dias flutuando, deixando o espírito livre, caindo lentamente dentro de um abismo repleto de nada. Será que não enxergam aquilo que está a um palmo do nariz? Pessoas sentadas no chão, se esquentando como pode, olhares perdidos, tempo perdido, esperança... esperança... esperança, todos perderam a esperança, todos precisam de esperança, de alguém que suscite o espírito de vencedor que a muito está adormecido – quem sabe morto. Eu dedico meus estudos para levantar minha gente, mostrar que é possível, sim, vencer os anos de exaustão, por que não dizer: dor? Chega, somos vivos, temos alma, temos direito.

Letícia Durães

Nos perdendo...

Me ajoelhava no sofá e espiava pela janela o movimento da rua. Apoiava a cabeça na madeira e pensava em quando veria alguém diferente na rua, uma quebra de rotina, uma escapada da normalidade, estava esperando que alguém acordasse daquele sonho de: levantar -> trabalhar -> dormir. Engraçado que eu ficava parada esperando a vida fluir, como era boba, ficava criando raízes no chão da sala, cuidando da vida monótona dos outros.
Na manhã seguinte, fui obrigada a ficar no jardim de casa – estávamos em reforma – sentei debaixo da sombra e abri um livro para passar o tempo, Orgulho e Preconceito, eu leio rápido então fechei o livro em algum capítulo mais a frente, pensei em ouvir música ou andar pelo bairro, mas odiava sair por aí sozinha, às vezes sentia os olhares me seguirem até sair de vista. Então abri o livro para continuar passando o tempo – que rastejava pela tarde quente.
- Com licença – ouvi uma voz meio rouca chamar do portão – Será que você pode me ajudar?
- Ahn – fui para perto do portão meio confusa e feliz – sim, feliz, o rapaz que chamara minha atenção era alto e estava sorrindo sem graça com o canto da boca, tirando os cabelos negros dos olhos – Depende... Diga.
- Ah desculpa, meu nome é Murilo, me mudei para a região semana passada – esperou uma confirmação minha que foi um imperceptível aceno positivo com a cabeça – Acontece que... ha é, bom, eu me perdi – disse abaixando o olhar envergonhado – E agora não sei nem em que direção seguir. Pode me ajudar, moça? Você parece ser a pessoa mais, digamos, normal aqui. Estou andando há horas!
Não conti a gargalhada, abri o portão e disse que iria ajudá-lo. Ele me disse o nome da rua e uma única referencia: perto da casa azul. Gritei para minha mãe que ia dar umas voltas com um amigo e saímos, os primeiros minutos foram tomados por um silêncio incômodo – sem contar constrangedor. Sem perceber cantarolei uma canção antiga que mamãe me ensinara, Murilo olhou para mim meio boquiaberto:
- Essa música é mais antiga que minha avó, hahaha – gargalhou se dobrando no meio da rua – minha mãe vive cantando ela.
- Eh... Que antiquado você, minha mãe me ensinou quando ainda usava fraldas – disse meio irônica e voltei a cantar, dessa vez em voz alta. Fiquei surpresa quando ele me acompanhou na canção, sorrindo orgulhoso. Continuamos andando e cantando, trocando algumas palavras vez por outra, rindo e nos dando cotoveladas.
- Ali! A casa azul que você falou. É ela, não é? – eu disse.
- É sim, andamos rápido. Como foi que me perdi? – falou com o olhar meio distante e se voltando para mim – Até que não foi de total ruim. Me diverti nessa meia hora.
- Os créditos são todos meus – eu disse rindo – agora eu tenho que ir, vai escurecer – fiz menção de sair quando ele me puxou o braço.
- Obrigado... Espera. Você não me disse seu nome.
- Ah! É Lis.
- Lis... Lis. O que seria de mim sem você, pequena Lis? – pegou minha mão e beijou-a – a gente se vê amanhã, garota Lis.
Amanhã? Pensei. Ele iria à minha casa amanhã? Ou esperaria o acaso? Enfim, eu fui para casa, feliz, cantando. Deitada na cama de noite, eu não conseguia dormir, revirava na cama e meus pensamentos se prendiam sobre Murilo. Mesmo tentando abafar isso com o travesseiro, eu pensava e pensava, sorrindo boba. Dormi com um sorriso nos lábios.
Na manhã seguinte – nem tão manhã, pois acordei tarde – mamãe conversava animada com alguém lá fora, quando entrou perguntei quem era, ela me disse: É um grande amigo meu que se mudou para cá. Teremos convidados para o almoço, ele veio com a mulher e os dois filhos. Sai acompanhada de minha mãe para cumprimentar as visitas. Parei no meio do caminho. “Que?”. Recebi um forte a perto de mão do homem, seguido por sua mulher e filha, mas gostei mesmo foi do sorriso cativante de Murilo.
- Não te disse – sussurrou ele.

Letícia Durães