Parei de frente ao portão. Suspirei lentamente. Tive medo de entrar, medo do que iria encontrar. Imagens loucas me vieram à mente, a ilusão estava me torturando impiedosamente, mais do que o habitual. Senti de súbito um pavor que me fez estremecer o corpo inteiro, uma sensação de perda, eu “cai na real”, já não conseguia (ou não podia) negar a realidade. O tempo passa, a vida corre e ninguém pode fugir, ninguém pode negar.
Enchi-me de coragem e empurrei o portão de madeira pintada de branca, estava aberto. Deixei meio entre aberto e espiei pela fresta, havia algumas roupas úmidas no varal, a varanda estava molhada, parecia ter alguém na cozinha – o vento trazia de lá um cheirinho gostoso de bolo de fubá. Bolo de fubá. Abri o portão de vez, entrei e fiquei tão contente. Na lateral esquerda do mura o canteiro do jardim permanecia em perfeito estado, as rosas vermelhas entravam em contraste com os lírios brancos, e as cores pareciam estar em harmonia com o ambiente.
Chamei com meia esperança mantendo a voz: “Mamãe? Está ai?” Esperei cerca de um minuto. Nada. Repeti, dessa vez gritei. Ouvi a porta da cozinha se abrir, um sorriso se fez em meu rosto, ela está aqui, foi só um longo pesadelo, um longo pesadelo. Por detrás da casa surgiu a figura de uma mulher negra sorridente, ela vinha em minha direção com os braços abertos, dizia que sentia a minha falta e que eu estava crescida. Era minha Mariana, trabalhava para mamãe há muitos anos. Olhei para ela meio confusa, perguntei: “Onde está mamãe? Quero vê-la. Tive um pesadelo (eu acho) e quero muito vê-la”. Mariana me olhou meio desconfiada, pôs a mão no meu ombro e disse: “Querida, Roxi, não foi um pesadelo. Sei que é difícil, mas você tem que aceitar, é melhor para você.”
Diante daquelas palavras senti minhas pernas bambearem e minha vista embaçada, senti meu corpo cair ao chão, minha voz não saia e, por mais sem noção que estava, eu chorei com soluços cortando a respiração. Não foi um pesadelo. A vida a tirou de mim. Estava desprotegida. Mamãe se fora. Estava morta. Mariana me pegou pelo braço e me levou para o banco debaixo do pé de amora, me trouxe um copo de água. Ela me olhava com um ar de preocupada e até mencionou em me levar ao médico, mas ela percebeu, graças a Deus, que seria até pior. Eu tinha acabado de saber que minha mãe tinha morrido, a ficha demorara cair, foi como se a notícia fora me contada agora.
Mariana, minha querida Mariana, me abraçou, esperou meus sentidos voltarem ao lugar. Olhou no fundo meus olhos e disse, com uma veemência que me prenderam a atenção: “Sabe, a vida não tem fim. Está sempre renascendo e aprendendo. Sua mãe tem o espírito vivo, ela ama você e está sempre cuidando, orando. Não chore mais, menina, viva por ela.” As palavras simples dela soaram feito canto em meus ouvidos, me fez sentir leve, parei de chorar e limpei o rosto, abracei Mariana e sorri. Ela me chamou para entrar e me deu um pedaço do bolo, disse que era para comer, que eu precisaria de forças para cuidar do jardim de mamãe.
Letícia Durães
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