sábado, 19 de novembro de 2011

Oro a Deus por ti

O vento bateu forte na janela e afastou as cortinas, meu corpo se treme com um arrepio dos pés a cabeça. Talvez seja um aviso de que tem chuva a cair, bom, só água de chuva seria capaz de lavar toda a dor que há nesse chão. Ah! Esse tempo me faz lembrar de três anos atrás, de quando ainda amava… blá blá blá. Que diabos! Essas lembranças tolas são insignificantes perto de tantas emoções que ainda hei de viver. Com ou sem um bem querer ao meu lado. Lembro, a tarde já estava ao fim quando cheguei em casa, Daniel, meu bem-amado, estava sentado na cadeira perto da porta, se apoiava nos braços da cadeira e tinha os olhos fixos para o nada, parecia perdido em seus próprios pensamentos, pois nem percebeu que eu me aproximava.
- Que bom vê-lo por aqui, meu bem – disse tocando em seu braço – devia ter me ligado que eu chegaria mais cedo, para não ter que ficar do lado de fora, esperando. Entre – estava tão sorridente que nem reparei em que estado estava Daniel.
- Não vou me demorar. Joanna, minha querida, eu a amo tanto que – pegou minhas mãos e suspirou mais uma vez – Ah! Como posso não dizer, só de pensar em um dia viver sem você não caibo em mim de angustia, chega à dor tanto que sofro por dias (desculpe por lhe dizer tudo isso de uma só vez), mas é quase que ter você junto a mim e seu amor é minha razão de viver. Eu sei, isso parece amor obsessivo, mas acredite, não é e nunca será. Eu preciso te proteger…
- Espera. Para que serve tudo isso? O que você fez Daniel? Ah! Não quero nem imaginar – meus olhos já estavam rasos de lágrimas e o sangue fervia nas veias – Vá lá, diga, me traiu não foi?
- E você acha que eu seria capaz? Não, não conseguiria conviver comigo mesmo, jamais pense nisso novamente Jo.
- Ora – disse o abraçando forte – Então o que houve?
- Por que, deveria ter acontecido algo para mim ter de lhe dizer isso? Meu bem, eu apenas me sinto com o coração sufocado de angustias, culpo meus sonhos por isso. Escute bem, eu vou te proteger, sempre, mesmo que você não perceba, eu vou estar com você – ele disse tão tranqüilo que me acalmei e sorri com ele que, por sua vez, decidiu entrar e jantar comigo.
A noite correu tranqüila, era como se a nossa conversa inicial não tivesse causado efeito algum que nos deixasse inconfortáveis. Encerramos a noite e fomos nos deitar – deixamos a janela aberta, pois era verão e o ar noturno deixaria o quarto fresco. Acordei no meio da madrugada, passava das 3h e Daniel não estava na cama, me levantei e fui à cozinha, quando o vi sentado no sofá, com a cabeça baixa e parecia estar em prece.
- Amor? Teve mais um pesadelo? Venha se deitar, não dorme há noites e está cansado demais, sem contar que amanhã temos que acordar cedo. Venha…
- Joanna vem cá. Sente-se aqui, não se preocupe com amanhã. Me dê sua mão e venha para a luz, quero olhar em teus olhos, são tão lindos. Você sabe como meu amor por você é único, tão forte que dói o peito de tanto amor, amo-a menos que Deus e mais que a mim – ele respirou fundo e fechou os olhos – Sei que você nutre uma aversão por Deus, nosso Pai, e da sua revolta quanto a vida ser “injusta” a seus olhos, mas, minha querida, não te preocupes com nada, Deus toma conta de todos nós e eu estarei sempre junto a ti – beijou minhas mãos e pediu: - Me prometa uma coisa? Não se descuide, não desvie do seu caminho, não aja com a mente. Escute seu coração que a verdade está lá.
- Por que me diz isso? Tem haver com teu sonho. Anda, me diga – lágrimas se punham a escorrer e tremia – Você está aqui, pare de bobagens, sempre estará aqui comigo, você está esgotado e precisa descansar, é por isso que está a dizer tal coisa. Está perturbado. Durma que amanhã isso desaparecerá.
- Me escute…
- Cale-se! – me levantei e o puxei para o quarto – Nada irá acontecer. Eu o amo acima de tudo, mais que a mim e até mais que a Deus. Sim, sabe o que o faço todas as manhãs? Oro a Deus para que te leve antes de mim, só para não ter que vê-lo sofrer por minha causa, que eu sofra em seu lugar todas as dores do mundo.
Daniel tinha a expressão grave e segredou-me ao pé do ouvido: - Deve amar a Deus acima de tudo, pois Ele é o amor e se não fosse por ele eu nada seria para você. Boa noite, querida – me abraçou e dormimos.
Nos três dias seguintes, tudo correu bem, nenhum de nós tocamos no assunto, mas lá fundo a voz dele me vinha à mente tornando mais forte o sentido de “amor”. Na segunda semana o telefone tocou, era do hospital, do outro lado da linha uma enfermeira de voz fria:
- Bom dia. Aqui é do Hospital Maria das Graças. Eu gostaria de falar com Joanna Freitas, ela está?
- Sou eu – saiu uma voz fina e trêmula.
- Encontramos seu contado com um paciente que acabou de chegar, Daniel Magalhães, a senhora poderia vir até o hospital? Só temos o seu contato – diante de cada palavra minhas forças vacilavam, quase não pude anotar o endereço.
Peguei as chaves e cheguei o mais depressa possível no hospital. Encontrei um médico no saguão (justamente o médico que havia atendido Daniel), ele tocou em meus ombros e disse com a voz baixa:
- Sente-se, por favor. Ahn, eu sinto em ter de lhe informar tal notícia. Recebemos vários pacientes, devido a um acidente que ocorreu nessa manhã, um caminhão bateu na traseira de um ônibus, que por sua vez bateu no carro do Sr. Daniel e de mais duas pessoas, infelizmente o impacto foi grande. As vitimas de um dos outros dois carros morreram na hora, os passageiros do ônibus e o motorista do caminhão estão bem e, bem, Daniel foi trazido em vida para o hospital, mas não resistiu devido às graves lesões veio a falecer à cerca de meia hora. Sinto muito pela sua perda.
Eu não disse nada, continuei sentada na cadeira por algum tempo, pedi para ver Daniel e ficar sozinha com ele, graças a Deus permitiram, quando entrei o vi deitado na maca, de rosto cadavérico e pálido. Chorei e beijei suas faces, roguei para que ele voltasse, que acordasse, por fim, me demorei por lá até que viessem me tirar. Ah! Essas lembranças não permito que voltem.
Meses depois, encontrei entre um dos livros de Daniel uma carta, para mim, dizia coisas tão lindas que só podiam ser dele, me pedia para ter força e confiar em Deus, falava do quanto me amava e de que sempre estaria comigo, confortando o coração. Sem nem ao menos eu perceber, Daniel havia plantado uma semente de amor e confiança em Deus dentro do meu coração. Aquela carta me trouxe tanta paz, senti a presença dele ao meu lado e sua voz recitando palavra por palavra, me amando.
Penso que ele sabia que teria que se separar de mim.

Letícia Durães

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