quinta-feira, 17 de maio de 2012


― Letícia Durães para outubros

A cor de arco-íris fez melodias soarem por seus ouvidos, um som para cada filete de coloração caída no carpete do pequeno cômodo, verde, acalma; a amarela é eufórica; mas o vermelho… o vermelho a machucou, sangrava feio pelo braço, escorria gotículas de si, não tinha comedimento.
Buscou alívio – não entendo como esse ato poderia revelar-se um curandeiro – e o que ganhou foram cores de uma gota vermelha e lágrima, cores essas que a fascinaram e a prenderam  com tamanha embriaguez, fez cativa sua alma.Seu corpo espalhado pelo, cansado, fascinado, úbere, não tinha frio mais tremia, temia, mas queria embeber-se e morrer com o peito sarapintado –  morreria contente assim. Ora, seria indolor fechar os olhos e morrer com um som multicolor. Ora, depois de morrer, se é que teria algo além, seria belo e colorido? 

Fraca, desmaiou. Ao acordar tinhas roupas e braços sujos de sangue seco, o chão escuro, a cabeça pesada, o quarto sussurrava, a janela fazia barulho… Mas nada disso tinha cor, ou era branco ou era preto – disso já bastavam os cabelos embaraçados, os pequenos olhos negros e a pele branca como leite, era feia, de fato, e sabia – O desespero tomou conta, lançou-se para a porta, caminhando para a sala, em seguida para a cozinha – a essa altura devo dizer que nossa personagem estava sozinha em casa, a madrugada estava em sua terceira hora – ouviu um barulho abafado vindo de fora, abriu a porta e só viu negrume, girou nos calcanhares… 
… Sentiu uma pressão nos ombros e um puxão de cabelo e um frio, um frio diferente. Percebeu derramar algo quente pela garganta, escorrendo para os pequenos seios, levou a mão ao líquido e voltou-a vermelha para a luz dos olhos. Vermelho escarlate ondulava transformava-se em um abalar de sinos distante, sorriu colorida e fechou vagarosa a pálpebra – convenhamos leitor, algo lhe foi dado, não tirado. Um ladrão apareceu e cortou-lhe a garganta, entrou na casa e levou o que lhe interessava, foi embora e nada lhe incomodou.
Fez-se o que queria – como um sonho – tudo e mais que imaginara e desejara aconteceu, depois de desfalecer nos braços do ladrão, um lugar de beleza indizível a acolheu, viveu no seio do arco-íris, dançou sobre as nascentes, conheceu gente diferente. Oh, como se lá vivesse há anos. O coração parou e as cores pereceram diante dos olhos, fechou os olhos languidamente, ao voltar a abri-los enxergou branco, o pescoço dolorido, um cheiro de… (que cheiro era aquele, meu Deus?). Na maca de um hospital. Descolorida, sem vida. Um corte raso no pescoço. Lágrimas queimaram a cicatriz.


Letícia Durães 

quarta-feira, 28 de março de 2012

Neva

Neva em mim.

O gelo cobre a janela, mas aqui dentro a lareira nos esquenta. Mamãe está a dormir, dou graças a isso, ela não sente tanta dor quando submergida em sonhos. Oh, mamãe, pobrezinha! Estamos as duas afastadas, a longa distância que a insanidade nos impôs, isso não merece ser chamado de vida, uma pessoa sempre ativa e agora é limitada a camisa de força, sendo chamada de louca.

Enquanto escrevo, mamãe ressona tranqüila – normal eu diria até. Ontem ela me perguntou quem eu era. “Ora, sou Iva, sua filha”, respondi. “Tome tento, louca. Tens minha idade.” Logo saiu empertigada. Mas hoje, para minha grande alegria, ela amanheceu e foi para as suas rosas no jardim, cantarolava e sorria, conversava com as rosas e me olhava maviosa. Céus!, como fiquei feliz. Sentei e admirei-a, como se estivéssemos de volta aos meu dez anos de idade, com mamãe e papai rindo de mim e das tagarelices sem sentido algum.

O sol se pôs, naturalmente, e como foi egoísta, levou minhas lembranças e a calma de minha velha mãe, foi terrível presenciar a matança da vida – dela e do jardim, agora em pedaços – mamãe simplesmente endureceu e uma sombra desceu sobre seus olhos, gritou para mim, para as flores, pisoteou-as e praguejou a mim. Tirou as roupas e correu para longe. Só fui encontrá-la quando a noite só se fazia clara pela lua, ela estava deitada no chão batido, onde papai fora enterrado, lá ela conversava com ele, chorava por ele. Triste de se ver. Quando a trouxe para casa estava exausta e logo dormiu.

Agora a neve cai, pela primeira vez nesse ano, como a vida é rápida, não espera por ninguém, ou se vive ou morre, sem nada a ter realizado de fato, de sonhos perdidos. Morremos e continuamos a respirar, sem tomar conta da cova que está a dois passos de distância, da terra que clama por consumir teu corpo sofrido, a mesma terra que nos comerá a carne e esse coração insípido. Céus! Pobre de quem ri agora e chora só. Pobre de quem respira e não vive.

Neva dentro de mim.

― Letícia Durães
Ele passa e te leva junto, me deixando só
ora sorrindo, ora chorando;
sorrio porque esteve aqui, choro porque deixou a mim.
Ah, sim, é suave e leve
não o vejo, mas sinto seu beijo úmido em mim,
sei que está a me cercar, a me maltratar, a me limpar.
Sonda daqui, suspira dali
Bate em minhas faces com edacidade
Só para depois poder beijar a boca com maviosidade
Ele volta e te trás
E deixa cheiro de quem logo vai partir
O vento sossega quando de mim a vida se esvair

― Letícia Durães

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aquela jovem alma de esperanças mortas, de sonhos destruídos e coração torcido, hoje já não chora mais, não mesmo. Uma pena ter se acostumado a andar de cabeça baixa, os ombros caídos e olhos assustados, vivendo com medo de ir até a esquina. Sentava e escrevia versos tristes, às vezes passava a tarde inteira descrevendo o que sentia, penso que gostava de chorar, sempre que a via estava com os olhos vermelhos e de rosto corado, quase que eu chorava ao lado dela. Menina boba, por que não me deixa te ajudar? Não podia nem mesmo chegar perto de ti, que já fechava a cara e dizia estar bem, saindo apressada, fugindo de tudo, sempre. Hoje, quando te vi na cafeteria, rindo e brincando, custei em acreditar que era tu mesmo que via, sorri junto com você, à distância, mas eu ri. Senti um pouco de inveja daqueles que te fizeram sorrir, juro que senti. Queria tanto ser teu riso, estar perto de você como sempre desejei estar antes, mas tu nunca me quiseste por perto. Talvez seja porque eu é que te fiz chorar, fui a tua primeira mágoa.

Letícia Durães

Às vezes me pego perdida em pensamentos, nas áreas mais profundas do meu subconsciente, tirando lá do fundo, lá no passado, coisas tão ruis que quase morro, fico caída no chão, olhando para o lado de fora da janela, imaginando uma nova chance ou um recomeço, um lugar onde eu sinta que seja seguro, com pessoas diferentes, que não saibam do que já me aconteceu. Não sou nenhuma coitada, não quero pena de ninguém. Eu sei o que eu fiz, eu assumo, eu reconheço, fiz por onde. Agora só me resta sair debaixo desses escombros de sentimentos, todos os amontoados de sentimentos me massacrando, me maltratando. Acabei de limpar as lágrimas que meus olhos derramaram, sorri de tão triste, um gosto amargo ficou na boca, um soluço interrompe o pulso descompassado do coração.
— Letícia Durães
Naquela manhã neblinosa, quando acordei pela manhã notei, pela primeira vez, que minha cama havia diminuído e minhas vontades também. Sim, estava sentada sozinha numa cama de solteiro, com vontade do dormir o dia inteiro, não queria comer nem mesmo viver. Não chorei, fechei os olhos e orei, vieram pensamentos obscuros, uma solidão que me sufocou, como se um trem tivesse me pegado em cheio o coração, não sabia o porquê dessa sensação, só tinha uma certeza: machucava como nunca antes. Eu queria me esconder entre o colchão e as cobertas, nunca mais ver nem ouvir ninguém, só queria ter a mim. Eu poderia estar segura assim? Não, eu não saberia, não teria como evitar as durezas da vida, se fosse de solidão que eu precisava, era solidão que eu teria que suportar, conviver. Pena que eu não sabia disso, uma pena mesmo. Talvez eu não tivesse feito o que fiz, talvez eu não tivesse amarrado meu instinto de sobrevivência em casa e pulado no lago, talvez eu tivesse aprendido o que é vida.

Letícia Durães
Agora chove, lá fora só posso ouvir o assovio do vento frio que entra pela janela do meu quarto, os pingos da chuva batem na janela, quase posso ouvir a música se formando. Eu só queria que você estivesse aqui, junto a mim. Os ponteiros do relógio, acho que estão congelados, o tempo teima em passar, espero um outro dia chegar, um outro dia com você.
As pequenas notas que a chuva forma junto à minha janela estão me parecendo tão melancólicas, pesadas aos meus ouvidos. Puxo meu cobertor mas, não consigo dormir. Seria tão mais fácil se você estivesse aqui agora, mas você partiu sem deixar rastros, um bilhete de adeus ou… ou uma peça de roupa. Uma peça de roupa? Sim, um pedacinho de você, um cheiro. Agora eu tenho medo. Medo de não querer mais viver, não quis te tornar em minha vida ou minha razão.
— Letícia Durães

Um belo jardim...

Parei de frente ao portão. Suspirei lentamente. Tive medo de entrar, medo do que iria encontrar. Imagens loucas me vieram à mente, a ilusão estava me torturando impiedosamente, mais do que o habitual. Senti de súbito um pavor que me fez estremecer o corpo inteiro, uma sensação de perda, eu “cai na real”, já não conseguia (ou não podia) negar a realidade. O tempo passa, a vida corre e ninguém pode fugir, ninguém pode negar.

Enchi-me de coragem e empurrei o portão de madeira pintada de branca, estava aberto. Deixei meio entre aberto e espiei pela fresta, havia algumas roupas úmidas no varal, a varanda estava molhada, parecia ter alguém na cozinha – o vento trazia de lá um cheirinho gostoso de bolo de fubá. Bolo de fubá. Abri o portão de vez, entrei e fiquei tão contente. Na lateral esquerda do mura o canteiro do jardim permanecia em perfeito estado, as rosas vermelhas entravam em contraste com os lírios brancos, e as cores pareciam estar em harmonia com o ambiente.

Chamei com meia esperança mantendo a voz: “Mamãe? Está ai?” Esperei cerca de um minuto. Nada. Repeti, dessa vez gritei. Ouvi a porta da cozinha se abrir, um sorriso se fez em meu rosto, ela está aqui, foi só um longo pesadelo, um longo pesadelo. Por detrás da casa surgiu a figura de uma mulher negra sorridente, ela vinha em minha direção com os braços abertos, dizia que sentia a minha falta e que eu estava crescida. Era minha Mariana, trabalhava para mamãe há muitos anos. Olhei para ela meio confusa, perguntei: “Onde está mamãe? Quero vê-la. Tive um pesadelo (eu acho) e quero muito vê-la”. Mariana me olhou meio desconfiada, pôs a mão no meu ombro e disse: “Querida, Roxi, não foi um pesadelo. Sei que é difícil, mas você tem que aceitar, é melhor para você.”

Diante daquelas palavras senti minhas pernas bambearem e minha vista embaçada, senti meu corpo cair ao chão, minha voz não saia e, por mais sem noção que estava, eu chorei com soluços cortando a respiração. Não foi um pesadelo. A vida a tirou de mim. Estava desprotegida. Mamãe se fora. Estava morta. Mariana me pegou pelo braço e me levou para o banco debaixo do pé de amora, me trouxe um copo de água. Ela me olhava com um ar de preocupada e até mencionou em me levar ao médico, mas ela percebeu, graças a Deus, que seria até pior. Eu tinha acabado de saber que minha mãe tinha morrido, a ficha demorara cair, foi como se a notícia fora me contada agora.

Mariana, minha querida Mariana, me abraçou, esperou meus sentidos voltarem ao lugar. Olhou no fundo meus olhos e disse, com uma veemência que me prenderam a atenção: “Sabe, a vida não tem fim. Está sempre renascendo e aprendendo. Sua mãe tem o espírito vivo, ela ama você e está sempre cuidando, orando. Não chore mais, menina, viva por ela.” As palavras simples dela soaram feito canto em meus ouvidos, me fez sentir leve, parei de chorar e limpei o rosto, abracei Mariana e sorri. Ela me chamou para entrar e me deu um pedaço do bolo, disse que era para comer, que eu precisaria de forças para cuidar do jardim de mamãe.

Letícia Durães
Peguei minha caneca de chá, me sentei na poltrona do quarto que fica virada para a janela. Lá fora há poucos carros passando pela rua quase deserta, a chuva parece cessar agora. Olho para a minha cama, está vazia, vazia assim como eu. Uma lágrima involuntária escapa de meus olhos. Deus! Daria tudo para poder dormir, por um minuto que seja, queria poder sonhar com você, poder sentir teu toque, teu cheiro. Te sentir novamente… como te sentia quando em vida. Chorei, por noites e noites, morri com você, tudo se tornou preto e branco – triste porque adorávamos o preto e branco e hoje isso me castiga. Queria ao menos uns minutos de paz, fechar os olhos e dormir já não contam, eu me lembro de coisas que não deveria nem saber. Eu tentei, tenha certeza, continuar e sobreviver, mas sinto que algo me puxa para a escuridão, algo que quer sugar o meu eu. Que farei? Até agora fracassei.

— Letícia Durães
Saí do meu quarto na ponta dos pés, fui andando quietinha em direção a cozinha. O relógio da sala fazia TIC TAC. Abria a geladeira e peguei um pote de sorvete de pistache, fui para a sala e abri um livro que estava em cima da mesa, A Letra Escarlate, se me recordo bem, tinha uma boa história, mas eu queria ação. Fechei o livro e liguei a televisão, é claro que não tinha nada de interessante, já passava das 2 horas da manhã e meu sorvete estava quase ao fim. Bom, pelo menos agora minhas pálpebras estavam pesadas e minha cabeça pendia para trás, dormi ali mesmo no sofá.

Acordei parece que 20 minutos depois, meu corpo todo doía, estava zonza, meio aturdida. A casa estava tão escura, silenciosa, nem o relógio com seu TIC TAC pude ouvir, de repente começou a cair pedras no telhado. Não, não eram pedras, chovia granizo e ventava forte, acho que ouvi gritos lá fora, fui abrir a porta, meio indecisa ou era medo do que ia acabar vendo lá fora. Destranquei a porta e abri. Fiquei meio estarrecida, sem saber se voltava para dentro ou corria para fora. Achei estar delirando, pois não havia chuva, nem terra molhada ou vento, mas sim um sol que ofuscou meus olhos, o céu estava tão azul – uma azul que nunca vira antes – cores e pessoas estranhas de rostos sorridentes, cantantes. Que houve? Festa?

Eu podia sentir a vibração deles, estavam felizes, de verdade, me pegaram pelo pulso e me levaram para o meio do jardim, todos me olhavam ansiosos, esperavam por algo. Mas o que? Não fazia idéia nem se aquilo era em minha casa mesmo, um medo súbito veio crescendo dentro de mim, me apavorei, arregalei os olhos e tentei fugir, não importava para onde, mas eu tentava me esconder. Senti alguém tocar meu braço e me chamar, não distingui pela voz, mas foi como se eu pudesse confiar naquela pessoa, eu tinha que sair dali. Segui a pessoa – na verdade, era um homem, cabelos castanhos e pareceu ser seguro do que fazia – íamos nos esquivando das pessoas e corremos pela rua, o sol já tinha ido embora, agora só restavam alguns raios de luz e a iluminação fraca dos postes. Nos escondemos atrás de um muro, na quarta quadra que corremos, estava tudo em silêncio. Ele parou de vigiar a rua e olhou para mim, nos meus olhos e descendo para os lábios, estava sério. Disse n’um sussurro: “Não deveria estar aqui. Venha, vou te levar para casa.” Admito que fiquei pensativa quanto ir para casa, apesar do susto eu queria ficar por lá, com aquele rapaz.
- Mas se eu for, nos veremos de novo? - perguntei
- Um dia a gente se encontra, nem precisa me procurar, a gente se acha – ele disse se afastando, seus dedos se desenrolando dos meus.
As luzes se apagaram e cai sem forças no chão, tentei gritar, mas não tinha voz. Apaguei. “Acorde, menina, acorde!” escutei a voz de minha irmã. “Estamos atrasadas”. Estava deitada no sofá, então eu levantei, eram 06h35min da manhã. Eu tinha dormido, tinha sonhado. Apenas eu sonho.

Me arrumei como todos os dias e fui para minha aula de literatura, onde passei a manhã. Quando saí tive vontade de andar um pouco antes de voltar para casa, fiquei parada na banca de jornal enquanto esperava o ônibus chegar, estava cantarolando a canção que ouvi no sonho. O rapaz da banca parou o que fazia e olhava para mim com surpresa.
- Desculpe, eu te conheço, moça? – perguntou
Eu levantei o olhar e sorri feliz ao reconhecer aquelas feições, e respondi: - Só se for no mundo dos sonhos.
Caímos na gargalhada e ele veio ao meu encontro, pegou minhas mãos e perguntou:
- Quer fugir daqui?

Letícia Durães
Acordar de manhã e martelar a cabeça com pensamentos sobre o amanhã, sobre o que dizer quando o vizinho me cumprimentar ou qual roupa devo vestir para ir a padaria. Esconder as marcas de uma noite mal dormida com quilos de maquiagem no rosto e um sorriso fingido no canto da boca, a cabeça batendo mais forte a cada TUM TUM pesado das batidas do coração. Tudo planejado, tudo em seu lugar perfeitamente posicionado, nada podia sair de ordem. Fantasiava minha vida inteirinha, do amanhecer até o enoitecer, me prendendo ao conformismo, me limitando a uma bolha de plástico transparente que me permitia ver a vida passar aos meus olhos e perder o sentido.
Noite e dia não fazia mais diferença nenhuma para mim, nem se chovia e fazia frio, calor e flores se abrindo, apenas um borrão sem importância alguma. Também não ligava para refeições ou folgas do trabalho – isso funcionava como uma fuga. Dormia tarde e acordava cedo.
Sabe-se lá o porquê, decidi sair para espairecer um pouco, tinha muitos papéis a serem organizados, minha cabeça já não distinguia letra de número. Já estava tarde, ventava frio e serenava, estava com fome e parei em uma banca de doces, fiquei examinando de fora da vitrine, pensando em quantas calorias iria consumir – enfim uma preocupação comigo mesma!
- Você está comendo com os olhos mesmo? – escutei uma voz vinda da minha esquerda.
- Não… E-eu só… Ah! E se eu estivesse? – disse virando para a pessoa, meio estupefata.
- Calma moça! –ele disse levantando as mãos como que se rendesse – Eu só estava tentando te chamar de volta a realidade. Veja, está quase fechando, é melhor se apressar.
Entrei na loja e fiz meu pedido, o meu e mais um. Sai da loja e voltei com dois cafés e os quitutes nas mãos, sorri e ofereci para ele, que estava parado perto dos bancos da praça e olhando para o céu.
- Olhe – ele disse pegando os cafés e pondo em cima de um banco – Está vendo essas estrelas? Fora elas há milhares de outras, escondidas, talvez estejam com medo de serem descobertas.
- Ahn… Tome seu café, vai esfriar – falei meio encabulada.
- Foi assim com você? Estava escondida? Com medo de ser notada pelas esquinas? E, assim como as estrelas, cansou da surdina e resolver dar o ar das graças?
-Como? – arregalei os olhos com a surpresa.
- Sim? Eu sempre venho aqui, mas nunca te vi. Estava ali na livraria quando vi você parada em frente aos doces, como se nunca tivesse visto algo parecido antes. Tão diferente, nova dentre tantas pessoas iguais.
- Ah.. eu, eu, você…
- Tome seu café, querida. Vai esfriar. – ele disse baixinho me puxando pela cintura e sorrindo.

Letícia Ribeiro
Se ao menos eu pudesse correr para tua casa e me perder em teus braços… Ah! Quanta bobagem pensar que poderia recuperar o tempo perdido, quem dera sentir tanta alegria. Estive tão triste e ressentida nesses últimos meses, queria poder não mais chorar, sinto tanta falta de ser a menininha do meu bem, não ser como uma boneca de porcelana, isso não, mas ser protegida e ter os sentimentos guardados num coração alheio, onde eu possa confiar minha vida. Uma coisa estranha fez meu sentidos variarem, perdi a calma e disse coisas tão ruins que até sinto mal de lembrar, palavras que ecoaram sua maldade na mente, torturando o coração do meu amor. Fui embora depois, sem dar explicações, apenas parti porta a fora e andei sem rumo, com o olhar distante, uma simples andante. Passado um tempo a saudade corroia o peito e fui te procurar, você não estava em casa, tentei te ligar, mas você não me atendeu. Onde poderia estar, amor meu? Agora que estou aqui, perdida em meio as nossas fotografias, é quase humanamente impossível controlar, eu só posso chorar, mesmo sabendo que lágrimas não farão você voltar, eu me ponho a chorar.

— Letícia Durães
A casa estava velha e suja, a cada passo que dava o piso de madeira do chão rangia. É estranho estar aqui mais uma vez, nunca pensei que voltaria a ficar sob este teto de novo, chega a ser incômodo entrar aqui dentro, acho que estou perdendo os sentidos, o ar está pesado.
- Você está bem, Deborah?
- Claro que não! Olhe só para isso, veja como o tempo passa e leva junto parte de nós.
- Ah, meu bem. Isso acontece quando não fincamos raízes, quando deixamos. Não fique assim, você mesma disse esse lugar lhe traz lembranças ruins. Bom mesmo seria esquecê-las.
Assim disse meu noivo me puxando pelo braço para fora da casa quando eu iria replicar, mas desisti, ele não entenderia. Mesmo ruins as lembranças fazem parte de quem eu sou, não devo nunca me desfazer delas.

— Letícia Durães
Que dia cinzento está lá fora. Estou deprimido e não é culpa da ventania nem do barulho da chuva que bate na janela. É por culpa tua, minha pequena. Roubastes meu coração e fugistes com ele para o horizonte, escondendo-se com o pôr-do-sol. Mas esqueceu-se de uma coisa: ainda sem coração, sou cheio de sentimentos por ti. Isso está corroendo-me a alma, dói. Está frio, você bem que poderia voltar para mim. Eu te aqueceria nos meus braços, te mimaria por toda a noite. Sentaríamos de frente à lareira e planejaríamos nosso futuro, minha boneca. Ah! Tua pele tão macia faz-me falta, quero acariciá-la, quero beijá-la, quero morder-la. Não. Não te quero por um instante, nem por um minuto, muito menos uma noite que seja. Seria muito pouco para saciar o meu desejo. Cada minuto que passo sem te ter nos meus braços é uma parte de minha vida que não há significado algum, minha boneca. Sem ti meu coração só bate para bombear sangue. Só na tua companhia que ele bate para manter meus sentimentos vivos. Você costumava reclamar do pouco uso que eu fazia das palavras. É simples, nada que eu ousasse em dizer iria fazer-te descobrir o quanto eu estava encantado por tua presença, ali do meu lado. A única coisa que lhe transmitiria essa verdade seria o puro brilho que existia em meus olhos. Você estaria comigo agora se não desviasse tanto seus olhos temerosos dos meus. Olhos famintos de amor. Você teria sentido, você teria acreditado, teria se entregado. Será que a falta de amor vinha de você e não de mim, com costumavas jogar-me na cara? Eu é que fui o iludido da relação, eu é que sofri pela falsidade do coração alheio. Entendo-te, sabia. Você devia estar em guerra com o coração e a mente. Entre o sim e o não. Sei que se pudesse, escolheria em não fazer-me sofrer. Eu te conheço, garota. Mas o coração é intransigente e não respeita a consciência, atropela a razão. Mas, meu anjo, volte e devolva intacto meu choroso coração.