quarta-feira, 28 de março de 2012

Neva

Neva em mim.

O gelo cobre a janela, mas aqui dentro a lareira nos esquenta. Mamãe está a dormir, dou graças a isso, ela não sente tanta dor quando submergida em sonhos. Oh, mamãe, pobrezinha! Estamos as duas afastadas, a longa distância que a insanidade nos impôs, isso não merece ser chamado de vida, uma pessoa sempre ativa e agora é limitada a camisa de força, sendo chamada de louca.

Enquanto escrevo, mamãe ressona tranqüila – normal eu diria até. Ontem ela me perguntou quem eu era. “Ora, sou Iva, sua filha”, respondi. “Tome tento, louca. Tens minha idade.” Logo saiu empertigada. Mas hoje, para minha grande alegria, ela amanheceu e foi para as suas rosas no jardim, cantarolava e sorria, conversava com as rosas e me olhava maviosa. Céus!, como fiquei feliz. Sentei e admirei-a, como se estivéssemos de volta aos meu dez anos de idade, com mamãe e papai rindo de mim e das tagarelices sem sentido algum.

O sol se pôs, naturalmente, e como foi egoísta, levou minhas lembranças e a calma de minha velha mãe, foi terrível presenciar a matança da vida – dela e do jardim, agora em pedaços – mamãe simplesmente endureceu e uma sombra desceu sobre seus olhos, gritou para mim, para as flores, pisoteou-as e praguejou a mim. Tirou as roupas e correu para longe. Só fui encontrá-la quando a noite só se fazia clara pela lua, ela estava deitada no chão batido, onde papai fora enterrado, lá ela conversava com ele, chorava por ele. Triste de se ver. Quando a trouxe para casa estava exausta e logo dormiu.

Agora a neve cai, pela primeira vez nesse ano, como a vida é rápida, não espera por ninguém, ou se vive ou morre, sem nada a ter realizado de fato, de sonhos perdidos. Morremos e continuamos a respirar, sem tomar conta da cova que está a dois passos de distância, da terra que clama por consumir teu corpo sofrido, a mesma terra que nos comerá a carne e esse coração insípido. Céus! Pobre de quem ri agora e chora só. Pobre de quem respira e não vive.

Neva dentro de mim.

― Letícia Durães

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