sábado, 29 de outubro de 2011

Sinto que agora é um momento decisivo. Agora é a hora de mostrar quem sou, para o que vim, devo aplicar aqui tudo o que venho estudando, meus preparos, minhas verdades devem ser ditas, e mais, devem ser ouvidas, preciso ser acreditada, meus direitos serem reconhecidos. Nem que para isso eu precise lutar uma vida, eu sou capaz. Passo por noites solitárias, andando pelas ruas da grande capital e só vejo tristeza, muitos vivem por nada, apenas passam os dias flutuando, deixando o espírito livre, caindo lentamente dentro de um abismo repleto de nada. Será que não enxergam aquilo que está a um palmo do nariz? Pessoas sentadas no chão, se esquentando como pode, olhares perdidos, tempo perdido, esperança... esperança... esperança, todos perderam a esperança, todos precisam de esperança, de alguém que suscite o espírito de vencedor que a muito está adormecido – quem sabe morto. Eu dedico meus estudos para levantar minha gente, mostrar que é possível, sim, vencer os anos de exaustão, por que não dizer: dor? Chega, somos vivos, temos alma, temos direito.

Letícia Durães

Nos perdendo...

Me ajoelhava no sofá e espiava pela janela o movimento da rua. Apoiava a cabeça na madeira e pensava em quando veria alguém diferente na rua, uma quebra de rotina, uma escapada da normalidade, estava esperando que alguém acordasse daquele sonho de: levantar -> trabalhar -> dormir. Engraçado que eu ficava parada esperando a vida fluir, como era boba, ficava criando raízes no chão da sala, cuidando da vida monótona dos outros.
Na manhã seguinte, fui obrigada a ficar no jardim de casa – estávamos em reforma – sentei debaixo da sombra e abri um livro para passar o tempo, Orgulho e Preconceito, eu leio rápido então fechei o livro em algum capítulo mais a frente, pensei em ouvir música ou andar pelo bairro, mas odiava sair por aí sozinha, às vezes sentia os olhares me seguirem até sair de vista. Então abri o livro para continuar passando o tempo – que rastejava pela tarde quente.
- Com licença – ouvi uma voz meio rouca chamar do portão – Será que você pode me ajudar?
- Ahn – fui para perto do portão meio confusa e feliz – sim, feliz, o rapaz que chamara minha atenção era alto e estava sorrindo sem graça com o canto da boca, tirando os cabelos negros dos olhos – Depende... Diga.
- Ah desculpa, meu nome é Murilo, me mudei para a região semana passada – esperou uma confirmação minha que foi um imperceptível aceno positivo com a cabeça – Acontece que... ha é, bom, eu me perdi – disse abaixando o olhar envergonhado – E agora não sei nem em que direção seguir. Pode me ajudar, moça? Você parece ser a pessoa mais, digamos, normal aqui. Estou andando há horas!
Não conti a gargalhada, abri o portão e disse que iria ajudá-lo. Ele me disse o nome da rua e uma única referencia: perto da casa azul. Gritei para minha mãe que ia dar umas voltas com um amigo e saímos, os primeiros minutos foram tomados por um silêncio incômodo – sem contar constrangedor. Sem perceber cantarolei uma canção antiga que mamãe me ensinara, Murilo olhou para mim meio boquiaberto:
- Essa música é mais antiga que minha avó, hahaha – gargalhou se dobrando no meio da rua – minha mãe vive cantando ela.
- Eh... Que antiquado você, minha mãe me ensinou quando ainda usava fraldas – disse meio irônica e voltei a cantar, dessa vez em voz alta. Fiquei surpresa quando ele me acompanhou na canção, sorrindo orgulhoso. Continuamos andando e cantando, trocando algumas palavras vez por outra, rindo e nos dando cotoveladas.
- Ali! A casa azul que você falou. É ela, não é? – eu disse.
- É sim, andamos rápido. Como foi que me perdi? – falou com o olhar meio distante e se voltando para mim – Até que não foi de total ruim. Me diverti nessa meia hora.
- Os créditos são todos meus – eu disse rindo – agora eu tenho que ir, vai escurecer – fiz menção de sair quando ele me puxou o braço.
- Obrigado... Espera. Você não me disse seu nome.
- Ah! É Lis.
- Lis... Lis. O que seria de mim sem você, pequena Lis? – pegou minha mão e beijou-a – a gente se vê amanhã, garota Lis.
Amanhã? Pensei. Ele iria à minha casa amanhã? Ou esperaria o acaso? Enfim, eu fui para casa, feliz, cantando. Deitada na cama de noite, eu não conseguia dormir, revirava na cama e meus pensamentos se prendiam sobre Murilo. Mesmo tentando abafar isso com o travesseiro, eu pensava e pensava, sorrindo boba. Dormi com um sorriso nos lábios.
Na manhã seguinte – nem tão manhã, pois acordei tarde – mamãe conversava animada com alguém lá fora, quando entrou perguntei quem era, ela me disse: É um grande amigo meu que se mudou para cá. Teremos convidados para o almoço, ele veio com a mulher e os dois filhos. Sai acompanhada de minha mãe para cumprimentar as visitas. Parei no meio do caminho. “Que?”. Recebi um forte a perto de mão do homem, seguido por sua mulher e filha, mas gostei mesmo foi do sorriso cativante de Murilo.
- Não te disse – sussurrou ele.

Letícia Durães