sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O vento balançava os fios dos cabelos negros de Munique, a pequena garota mal conseguia abrir os olhos por causa das folhas que o vento levantava, sem contar com a poeira que entrava mesmo com as pálpebras fechadas e a boca, aquela linda boca, se mantinha bem fechada para não entrar mosquito e nem para sair palavras malvadas. O coque preso com um laço de fita cor de abóbora estava quase todo desfeito e a saia de Munique sempre se levantava se debatendo junto com o vento. Nas mãos a menina carregava uma caneta e um caderninho marrom meio antiquado, ela tinha uma expressão exasperada na face. Sentou-se abruptamente no banco de madeira em torno da árvore de amora, abrindo seu caderninho e escolhendo uma página, tirou a tampa da caneta e contemplou sua cor por alguns meros segundos se preparando para escrever algumas palavras nas páginas brancas a sua frente. Colocou a ponta da caneta e escreveu “Querido diário. Hoje eu morri. Morri por dentro, com as palavras que saiam da minha garganta…” E uma canção de fundo se instalou nos ouvidos de Munique, uma velha canção já conhecida, a canção que seu pai costumava tocar para ela e sua mãe, na companhia de seu amigo Miguel e seu filho Jean, mas diferente da versão de seu pai que era interpretada ao som do piano, essa música era tocado por um violino, tocada de uma maneira tão dolorosa que fez uma lágrima se desprender dos olhos de Munique. De onde vinha aquele som? Era de sua mente? Não. Atrás de Munique, entre os galhos da árvore surgiu um par de olhos castanhos e em emaranhado de cabelos ondulados cor de mel. Era Jean. “Como ele cresceu, era tão mirradinho esse menino” pensou Munique fazendo careta de surpresa.
- Bonjour, Munique. Eu senti sua falta – disse ele abaixando o violino.
- Bonjour, meu amigo. Por onde esteve durante esses anos?
- Ah, ma chérie. Estive a minha procura, tentando clarear as idéias, mes sentiments. Mas tive os pensamentos presos aqui. En vous, em você.
- Não deveria nem ter partido, Jean. Só se fez sofrer. Eu senti tanto a sua falta, me sento tão sozinha desde que papai se foi.
- Perdão. Mas foi bom ter ficado um tempo distante, poder ficar juste moi. Isso me fez perceber que o que eu sinto não é uma paixão efêmera, é amor. Je t’aime.
- Será? Pois eu te amo muito mais do que poderia imaginar, nem eu mesma sabia do quanto. Mas quando você partiu e suas cartas se tornavam menos freqüentes, meu coração se partiu em dois, chorei muito. E quando eu escutei a canção que papai tocava vindo das cordas de teu violino, meu coração pareceu se refazer e bater tão forte quanto esses ventos agosto. Eu sempre te amei.
O vento pareceu intensificar naquele instante, alinhando os corpos daquele casal, a respiração ofegante e os olhos focados um no do outro. O beijo fluiu natural das bocas sedentas de amor de Munique e Jean, os envolvendo no amor mais gentil que um dia a pequena Munique sonhara em receber.

Letícia Durães

Nenhum comentário:

Postar um comentário